A CRISE NO SISTEMA PRISIONAL DO RN (I) –
Há mais de 10 anos nós criamos um projeto chamado CÁRCERE COM CIDADANIA. Reuni 150 alunos da UNP-Universidade Potiguar para contribuirmos com os mutirões carcerários, mas não consegui implementar o projeto, pelo descaso dos gestores na época. E olhe que o nosso trabalho seria voluntário. Ao longo desse tempo visitei dois Secretários da Sejuc, a fim de oferecer a nossa contribuição. Nenhum deles sequer folheou ou se deteve ao material presentado.
 
Esse projeto se propunha a oferecer os serviços voluntários de 150 estudantes de Direito à Sejuc, à Vara de Execuções Penais e à Defensoria Pública, para o acompanhamento da vida carcerária dos nossos apenados, visando a sua progressão de regime ou a sua liberdade, se fosse o caso. Nossa intenção era diminuir a população dos nossos presídios,  já que centenas de presos cumpriram suas penas, mas por falta de advogados continuam nos nossos estabelecimentos penais. Contamos com o apoio de inúmeros parceiros: OAB, UNP, Sesed, à época dirigida pelo Dr. Glauberto Bezerra, mas não tivemos a atenção da Sejuc, que deveria ser a principal interessada. Por dever de justiça, tivemos a participação isolada da Dra. Guiomar Veras, assessora técnica da Secretaria de Justiça, atualmente à frente da Pastoral Carcerária.
 
Quem ganharia com esse projeto?  O Governo do Estado: com a humanização do sistema penitenciário e a consequente diminuição da população carcerária e da violência. UNP: seria o primeiro curso de Direito do país a oferecer prática penal aos seus alunos, além da sua afirmação no campo da responsabilidade social.       Os alunos contariam como atividade complementar, que é exigida no curso, além de terem uma atividade prática no campo do Direito Penal. A Justiça ganharia, com o suporte técnico que seria dado à Vara de Execuções Penais.  Toda a sociedade sairia ganhando.
 
O modelo de segurança pública atual está ultrapassado. É preciso um novo arranjo institucional. No meu entender, essa questão antecede o item da falta de investimentos. Por mais que tenhamos recursos, sem integração e gestão não atingiremos resultados efetivos de redução da criminalidade.
 
Dentro do sistema federativo, falta a integração vertical entre as três esferas de poder: União, Estados e Municípios. No nível estadual, falta a integração horizontal entre as polícias Militar, Civil, Corpo de Bombeiros, Polícia Técnica, Fundac, Sistema Penitenciário e Defensoria Pública. Não costumamos ouvir as universidades, a sociedade civil organizada, nem a rede de proteção social. A polícia funciona sem planejamento, sem pesquisa científica, sem informações sobre as ocorrências criminais. Sem essa integração, os dados e as ações ficam prejudicados. Sem diagnóstico, como o médico prescreverá o medicamento?
 
Ninguém quer ser o pai da crise. O presidente do Tribunal de Justiça do RN, Desembargador Expedito Ferreira afirmou: “A crise do sistema penal não tem origem no judiciário”. Pensamento diferente do ex-ministro Joaquim Barbosa; da atual presidente do Supremo, ministra Carmem Lúcia e do ex-presidente do Supremo e atual presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, que destacou em entrevista à BBC Brasil: “A justiça em geral não tem tempo de julgar. Se você tem um fluxo de entrada enorme e não tem a saída, a tendência é a superlotação. O Judiciário não sai ileso disso. Quando ele demora para julgar os casos, óbvio que ele tem responsabilidade”.
 
Dos cerca de 700 mil presos no nosso país, 45% são provisórios, isto é, ainda não foram julgados. No nosso estado dos 8.200 presos, um total de 2.900 ainda se encontra nessa situação. Para o jurista italiano Cesare Beccaria (1738-1794), “quanto mais rápida e próxima do delito for a pena, tanto mais justa e útil ela será”. Como o judiciário não tem nada a ver com isso? Por falta de estrutura e de pessoal, as nossas polícias não conseguem elucidar mais do que 10% dos crimes ocorridos. Temos 1.233 agentes da Polícia Civil, faltam 4.000 para preencher o quadro de forma satisfatória. São 196 escrivães, quando precisaríamos de 800 e mais cerca de 160 delegados. O presídio de Alcaçuz, com 1.558 presos, contava com apenas seis agentes penitenciários. E por aí vai…
 
Como todos sabemos, sem perícia não há justiça. O nosso querido Itep, apesar da dedicação hercúlea dos seus técnicos, carece de grandes investimentos e concurso. Diante da rebelião ocorrida no sábado, 14 de janeiro, faltou à equipe do governo humildade, sinceridade, transparência e pulso. Por isso tem sido alvo de chacota nos noticiários nacionais. 24 horas depois do motim, o Secretário de Segurança do nosso Estado, entrevistado na GloboNews, afirmou categoricamente que a situação estava sob controle e que não tinha havido fuga de presos. O Comandante da Polícia Militar disse que a situação estava sem controle e o Secretário da Sejuc, Secretaria de Justiça e Cidadania, disse que o controle era parcial. Um verdadeiro samba do crioulo doido.
 
Hoje se sabe muito bem que as fugas ocorreram – alguns fugitivos foram presos e um foi assassinado por um vigia de uma escola em Ponta Negra –, não se tem o número definitivo de mortos e nenhuma estatística da atual população carcerária de Alcaçuz. O secretário da Sejuc, Walber Virgulino disse à Revista Época que o governo havia negociado com uma das facções, mas o Governo foi rápido no desmentido.
 
 Heráclito NoéDelegado de Polícia, classe Especial, aposentado, escritor e professor de Direito Penal
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