COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO NOSSO PALAVREADO –
“LASCA A ROLA NA TONHA”
Recentemente, por conta das coisas do “whatsapp”, recebi um vídeo referente a um programa de Silvio Santos, ainda de 11 junho de 2017, onde o humorista Falcão, canta a sua música “LASCA A ROLA NA TONHA”.
Veja bem. Segundo foi divulgado, por conta da apresentação dessa obra prima da música popular brasileira, o programa Silvio Santos atingiu picos de audiência, que superou os seus concorrentes do horário, a Globo e a Record.
Conversando sobre o assunto, o meu amigo, engenheiro calculista Joaci Araújo me lembrou uma história que OUVIMOS de um motorista, lá na fazenda, anos atrás.
O TARADO DE MACAÍBA
A história é a seguinte: estava aparecendo um tarado lá em Macaíba, e embora já tivesse atacado diversas mulheres, a polícia ainda não tinha pistas do bandido sexual.
Francisco, o motorista, chegando para apanhar o leite encontrou o vaqueiro reclamando e se lastimando.
Dizia ele: isso já passou dos limites. Semana retrasada o tarado atacou a mulher de “cumpadre fulano”. Semana passada atacou a mulher de “cumpadre cicrano” e ontem, diga mesmo… Atacou Maria a minha mulher.
Ouvindo isso, Francisco falou: mas não fez nada com Maria, não foi?
Demonstrando toda a revolta, o tirador de leite disse: O QUE? “PRANTOU-LHE A ROLA”
A gente conclui que as mudanças não estão somente no palavreado, estão no comportamento também.
Em outros tempos, diante de tais fatos, o vaqueiro “num tava” nem se preocupando em tirar leite. “Tava” mesmo era com uma peixeira ou um garrucha, ou os dois, procurando esse tarado de Macaíba, pra nunca mais ele “bulir” com a cumadre fulana”, nem “cum a cumadre sicrana” e, muito menos, “cum Maria”.
AS MÚSICAS DE DUPLO SENTIDO
E eu, nos meus 74 anos, fico imaginando como mudou o palavreado de quando eu era menino, até hoje.
Porém, as sacanagens não são recentes.
Basta lembrar das músicas de duplo sentido, que vem na nossa memória por ter presenciado o lançamento, ou apenas OUVIDO cantar.
Os Mamonas Assassinas cantavam o SABÃO CRÁ-CRÁ. Sabão cru-cru, sabão cru-cru. Não deixa os cabelos do saco enrolar com os do…
Genival Lacerda que foi um exímio explorador da arte do duplo sentido, compôs O TICO TICO, que era um gato. Tico mia na sala, Tico mia no chão, Tico mia na Cozinha, encostado no fogão, Tico mia no tapete, Tico mia no sofá, Tico mia no quarto, toda hora sem parar.
Se fosse hoje, todo mundo ia se admirar do oportunismo de Raul Seixas, pela atualidade do tema do Rock das Aranhas.
“Subi no muro do quintal e vi uma transa que não é normal. E ninguém vai acreditar, eu vi duas mulheres botando aranhas prá brigar. Duas aranhas, duas aranhas, vem cá mulher, deixa de manha, minha cobra quer comer sua aranha”.
Mostrando a importância feminina vamos nos lembrar de PANELA VELHA, imortalizada por Sérgio Reis: “Não interessa se ela é coroa. Panela velha é que faz comida boa”.
Para que não fique dúvidas de que o tema do duplo sentido vem de muito tempo, Ary Barroso, em 1937, compôs a marchinha de carnaval EU DEI.
Lançada por Carmem Miranda a letra deixava o tema livre para a imaginação.
“Eu dei. O que foi que você deu meu bem? Eu dei. Guarde um pouco para mim também… Diga logo, diga logo é demais. Não digo, e adivinhe se é capaz.”
Finalmente o que foi que Carmem Miranda DEU? “Adivinhe se for capaz”.
Como uma história puxa outra, me lembrei do nosso bloco de carnaval.
O ARROCHA NA ´POMBA
Num determinado tempo de nossas vidas, lá pela década de 1970, esse era o nome do nosso bloco de carnaval.
Embora o palavreado parecesse uma coisa, os criadores da figura diziam que era outra.
Teria um duplo sentido. O nome queria dizer: a capacidade de enfrentamento. A disposição de lutar para vencer. A garra.
Você acredita? Nem eu.
Esse bravo título, foi herdado de um time de futebol da Escola de Engenharia, que, por afinidade de vários de seus “atletas” com a nossa turma de brincadeiras, passou a constituir um bloco carnavalesco.
Como está visto, hoje, esse nome não representaria nenhum impacto contra os bons costumes. Porém, na época, fomos até proibidos de entrar no baile de carnaval do América, com a camisa que levava o nome da nossa “agremiação carnavalesca”.
Precisamos mandar confeccionar as camisas com a foto de uma pomba, ave, e uma mão agarrando no pescoço.
Imagem mais explicita do que essa, impossível, para demonstrar a singeleza do nome.
O BLOCO
Na época, os blocos se constituíam de uma turma com roupas iguais, que se chamava de fantasia, e uma orquestra que saia pelas ruas tocando em cima de carroças puxadas por trator, conseguidas, em sua maioria, com os plantadores de cana do vale do Ceará Mirim.
O nosso, não. Como não existia “lei Seca”, íamos, nós mesmos ou as namoradas dirigindo os nossos carros.
As orquestras dos blocos contavam com instrumentos “de sopro”, na maioria, Pistom, saxofone, trombone e os de percussão, bombo e tarol, sem esquecer o valoroso tamborim e outros menos votados.
A nossa orquestra se resumia ao pandeiro de Eraldo Porciúncula e ao tamborim de Claudio Burrão. Vez por outra alguém assumia o reco-reco, feito com uma mola, e o ganzá, que era uma latinha cheia de arroz.
Fazia parte dos costumes, que os blocos fossem recebidos nas casas amigas, o que se denominava “assalto”, e era quando a orquestra ficava tocando para animar o ambiente e a turma se esbaldava nas bebidas e comidas oferecidas.
A gente fazia as duas coisas na mesma hora, pois os componentes do bloco se confundiam com a “orquestra”
OS ASSALTOS
Giovanni Boccaccio lá pelos idos de 1340 d.c., satirizando Florença criou a expressão “amarrar cachorro com linguiça”, o que significava, tornar as coisas fáceis.
Nos tempos do ARROCHA NA POMBA, embora tenha acontecido quando ainda “se amarrava cachorro com linguiça”, comparando com hoje, conseguir os assaltos já não era uma tarefa fácil.
Carlos Limarujo falou com o professor Juarez, lá da escola de Engenharia – que não era esse carnavalesco todo – para receber o bloco, e ele, estranhamente, disse: que bom, os meus meninos vivem me cobrando isso.
Na hora marcada, quando o bloco chega, imagina a decepção dos garotos. Eles tinham mandado confeccionar uma faixa: “SALVE O ARROCHA”, e chega aquela ruma de bêbados, sem orquestra e sem alegoria.
Os meninos, sem acreditar no que viam, perguntavam: vocês viram por aí um bloco que vem para a nossa casa? É o ARROCHA.
Foi o primeiro e último assalto na casa do Dr. Juarez.
O nosso assalto modelo era na casa do Engenheiro da Construtora EIT, Renato Soares.
Ele colocava 12 litros de Whisky escocês em cima de uma mesa, com o se fosse refrigerante, gelo, comida e um garçom para repor o que fosse consumido. Pronto. Dalí só saíamos com a “lata cheia”.
Existem muitas histórias engraçadas ocorridas nos assaltos.
Lembro da recepção que tivemos na casa do representante de uma famosa editora de revistas. Ele serviu “Steinhaeger”, uma forte bebida alemã, destilada a partir do centeio e aromatizada com zimbro, que é um fruto deles, lá das encostas dos Alpes.
O fato é que essa bebida não fazia parte das nossas preferidas. Preparei uma dose para Eraldo, que já estava meio melado, e ele entornou a lapada de uma vez só. Fazendo uma terrível careta, disse: “nossa, isso deve ser álcool com caldo de papel de revista”, que era a matéria prima do nosso anfitrião.
AS COMPONENTES AMERICANAS DO ARROCHA
Num desses carnavais, Market, Marcos José Reis Câmara, encontrou, não sei como, duas americanas que vieram para Natal, num programa de intercâmbio.
Elas eram da nossa faixa de idade e Market trouxe para fazer parte do ARROCHA.
Sem a gente falar inglês e nem elas português, nos entendíamos pelo álcool.
Linda e Suzana eram os nomes delas.
Uma passagem interessante. Linda trazia um remédio manipulado. Eram comprimidos, cujo nome ainda me lembro: SKF, marca de um nosso rolamento famoso.
Dizia ela que era para proteger o fígado e não se embriagar, e assim sendo, passamos também a consumir o comprimido protetor.
Era um tal de rolamento pra lá e rolamento pra cá, que o estoque dela só deu para um dia.
Nesse ano, a decoração dos salões do América tinha uns galhos e ramos, como de uma floresta, pendurados no teto. De noite, durante o baile, tinha nego querendo pular e subir nas inacessíveis árvores, como se fosse Tarzan.
O fato é que o “remédio” não era protetor de fígado, coisa nenhuma. Era mesmo um estimulante, assemelhado aos rebites dos caminhoneiros, e devia ter anfetamina na sua composição.
Graças a Deus, o “remédio” acabou e no dia seguinte voltamos ao nosso “modus vivendi” e tudo transcorreu normalmente.
O CALDO DA VEIA
O ARROCHA se constituía numa família. Brincávamos como irmãos.
A mãe de Enéas, um dos componentes, e as irmãs dele, entre elas Adalva, do Restaurante Paçoca de Pilão, nos recebiam durante a tarde para tomar o “caldo da caridade”, destinado à manter a turma “equilibrada”.
Chegávamos lá, cantando: “vamos pra casa Enéas, tomar o caldo da Veia”. Obviamente, com o maior respeito e carinho, mas dentro da liberdade permitida.
O FIM DO ARROCHA
Não me lembro de como e nem porque o ARROCHA terminou.
Culpo os casamentos e o início das vidas responsáveis.
Antônio José Ferreira de Melo – Economista – [email protected]
