Não é regra geral, mas há certos ricos que fazem questão de “quinhentos réis furados”, sendo incapazes de dar uma gorjeta a um empregado, ou ajudar a alguém. São capazes de desistir de uma compra, por falta de troco de um real.
Essa mesquinharia sempre existiu, desde a época remota em que dinheiro era dinheiro mesmo, não se fazendo representar por cartões de crédito, comandados por “maquininhas.”
Tenho traumas de infância, e um deles foi ter assistido um dos homens mais ricos de Nova-Cruz (RN), político e grande fazendeiro, numa segunda feira de grande movimento, voltar à venda do meu pai e exigir dele cinco cruzeiros, pois havia lhe comprado um saco de açúcar e depois, no armazém de outro comerciante concorrente, encontrou o mesmo produto por cinco cruzeiros a menos. Sem questionar, mas com a testa franzida de vergonha e indignação, meu pai abriu a gaveta do dinheiro e deu ao riquíssimo fazendeiro os cinco cruzeiros reivindicados.
Com raríssimas exceções, em Nova-Cruz, os políticos ricos oprimiam os cidadãos decentes e bravos trabalhadores, prejudicando sua ascensão na vida. Somente nas campanhas politicas para eleição ou reeleição, os comerciantes honestos eram altamente “considerados”.
Meu pai foi prejudicado pela saúde, sendo acometido por trombose aos 60 anos, e sofreu muitas injustiças, ao ter seu estabelecimento comercial parcialmente demolido por determinação do prefeito da época, o que acabou culminando com o agravamento da sua enfermidade.
A venda do meu pai era a menina dos olhos dele, tão importante quanto a residência da família. Desde os 14 anos, ele foi balconista dessa venda, que depois se tornou sua, quando o antigo dono, já bastante idoso resolveu parar de trabalhar, vendendo-lhe o estabelecimento comercial, num negócio “de pai para filho”. Meu pai doou sua juventude a esse estabelecimento comercial, pois ali trabalhou durante toda a sua vida, afastando-se por doença. Com trinta anos, tornou-se o dono, e foi com essa venda que ele manteve a nossa família, nossos estudos, tornando os filhos pessoas íntegras, verdadeiros cidadãos de bem.
Ele centralizava todas as atividades da venda, e nós, os cinco filhos, éramos ajudantes dele, nos dias de feira. Somente nossa mãe partilhava o dia a dia com ele na venda, pela manhã e à tarde.
Quando a fatalidade atingiu meu pai com a trombose (1972), meu irmão Adriano, o primogênito, já se encontrava na Petrobrás, após aprovação em concurso público. O caçula, Bernardo Celestino, cursava Medicina em Natal, e eu já estava casada, morando em natal, restando em Nova-Cruz Valéria, casada, e Ana Maria. Em suma, no núcleo familiar, não havia ninguém com capacidade de assumir o posto do meu pai à frente do nosso estabelecimento comercial.
A incapacidade laboral do meu pai progrediu e o estabelecimento comercial encerrou suas atividades.
Ele passou a viver com uma pequena aposentadoria do INPS, e pequenos aluguéis de três ou quatro casas.
Assim se passaram 12 anos, vindo Francisco Bezerra Souto a óbito em 24 de dezembro de 1984, na Noite de Natal mais triste de nossas vidas.
