A RESISTÊNCIA TEIMOSA: O PARADOXO DOS MAIS EXPERIENTES –
Nas tramas do tempo, os mais experientes vestem a armadura da resistência – uma resistência paradoxal, quase incoerente. Eles continuam a caminhar sob o sol inclemente do labor, mesmo quando o corpo sussurra pausas e o espírito anseia silêncios. Essa insistência é uma coreografia antiga, onde o relógio parece escorregar pelas mãos e a percepção do tempo se torce, um eco de tempos idos que não querem deixar de ser.
“A sabedoria da vida consiste na eliminação do desnecessário,” ensina William James. Contudo, os mais velhos, observadores das vidas alheias, dominam a arte de testemunhar, mas falham em aplicar o aprendizado rente à sua própria existência. Eles conhecem as histórias contadas por outros, os ciclos, os fracassos e êxitos, mas parecem esquecidos de que a sabedoria aplica-se também na decisão de dizer “basta”.
O verso de Rubem Alves, “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, reverbera aqui com crueza. Muitos idosos encontram-se em uma luta despida de sentido, querendo ver até onde poderão ir — como se o corpo não lhes dissesse que já viu demais, ouvidas demais as vozes interiores que clamam pela pausa necessária.
Em uma canção de Elis Regina, “Como Nossos Pais”, está implícita a luta dos que vivem entre gerações, tentando imprimir sua própria marca sem saber quando ceder o espaço e aceitar que há fases. A resistência em continuar pode ser um grito silencioso de sobrevivência, mas que destoa da sabedoria essencial: o viver pleno não pode ser medido pelo suor constante ou pela quantidade de jornadas enfrentadas.
“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças,” disse Charles Darwin, e altos são os desafios da adaptação para quem carrega mais experiência. Os idosos que trabalham até a exaustão parecem negar essa passagem natural e fundamental, esquecendo que sabedoria não é acumular dias, mas viver com qualidade e consciência.
Mais que resistir, há de se praticar a arte da observação – uma observação que não se limite a olhar alheios, mas que se volte para dentro, que reconheça os sinais do corpo, do espírito, da mente. A sabedoria aplicada é um convite para reinvenção, para um modo de ser que transcende o “estar sempre em movimento”.
Assim como diz o poema de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.” Então, questionemos: não será a alma, por vezes, maior que o corpo, e equivocadamente insiste em permanecer, mesmo quando o corpo implora pausa? A incoerente resistência dos experientes talvez seja um sinal de que ainda não aprenderam a maior lição: deixar ir — deixar-se ir — para que a alma possa crescer com calma, em paz e verdadeira sabedoria.
Os mais experientes se mantêm firmes, qual árvores que teimam em não largar o solo, mesmo quando as estações mudam e o outono sussurra não apenas o fim do calor, mas o convite do descanso. Eles resistem — não pelo vigor, mas pela alma inquieta que reluta em aceitar sua própria fragilidade, quase como se cada dia a menos fosse uma derrota inconcebível. Continuam trabalhando, moldados por uma cultura que enaltece o esforço constante, como se a inércia fosse o maior pecado da existência.
Nesta insistência, há uma incoerência poética. O corpo, antes vigoroso, agora parece um rio que corre em direção ao mar da inevitável pausa, mas a mente, teimosa, ainda empurra a correnteza contra a maré. No entanto, como canta Caetano Veloso em “Trem das Cores”, “a vida é trem das cores, um ruído de trem… e os trens param nas estações”. Os idosos, muitas vezes, são trens que não sabem a hora de fazer a parada, mas continuam na linha, imóveis em seu próprio movimento.
Eles têm a habilidade de observação, já testemunharam a dança da vida em incontáveis atos, saborearam as alegrias da juventude em outonos diversos e viram outras gerações se firmarem e caírem. Mas essa observação é quase como olhar pela janela sem descer do trem. O que lhes falta é a sabedoria aplicada — aquele tipo de sabedoria que transcende o mero saber, que cria espaço para o silêncio interior, para o reconhecimento do fim de um ciclo.
A resistência, portanto, é uma poesia melancólica, um verso não completo. Charles Darwin já nos ensinou que “não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”. O desafio para os mais velhos não é vencer a fadiga, mas adaptar-se à nova etapa, um movimento cuja força reside no abandono do corpo cansado para dar passagem ao espírito, cuja resistência é silenciosa e feita de aceitação.
A observação que falta, enfim, é a que gera autoconhecimento. Observar os outros já não basta, é preciso virar o olhar para dentro, enxergar nos próprios sinais o convite à mudança. A sabedoria aplicada é essa alquimia delicada entre experiência e renúncia, entre força e silêncio, entre ação e contemplação.
Em última análise, a resistência incoerente dos mais experientes não é senão um prelúdio da sabedoria que ainda tarda em se manifestar. Um luto pela juventude que passou, pela identidade que se desdobra entre o ser e o parecer, o fazer e o ser. E é nesse intervalo que a verdadeira vida acontece — quando se aprende que parar não é fracasso, mas o ápice da sabedoria aplicada
Se a vida é um trem que precisa parar em sua estação, será a resistência dos mais experientes um ato de coragem ou um medo disfarçado de luta? E nós, ao observá-los, saberemos quando é hora de descer para que a alma possa enfim repousar em sua plenitude?
Tatyanny Souza do Nascimento – Psicanalista e escritora
