A PEDAGOGIA DA RESSOCIALIZAÇÃO: O ELO ESQUECIDO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO –

1 – Contexto e Problematização
Nos últimos meses, o debate político e jurídico brasileiro tem sido dominado por propostas legislativas como a PEC da Segurança Pública e o Projeto Antifacção, voltadas ao endurecimento penal e ao combate à criminalidade organizada. Contudo, ao observar atentamente o conteúdo dessas iniciativas, salta aos olhos uma lacuna preocupante: nenhuma delas aborda com profundidade o eixo pedagógico da ressocialização.

O Brasil vive um paradoxo.
No Brasil legal, não existe pena de morte nem prisão perpétua. Isso significa que quem é preso hoje, amanhã retornará à convivência social. A pergunta que se impõe, e que o Estado insiste em não responder é: como esse elemento será reintegrado à sociedade?

A Constituição Federal, no art. 1º, inciso III, consagra a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) reafirma que a execução penal deve “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado”. Mas na realidade cotidiana, a execução da pena no Brasil cumpre quase exclusivamente o seu caráter punitivo, negligenciando completamente sua função educativa e reabilitadora.

2. O Sistema Penitenciário e a Crise da Função Educativa da Pena
O sistema carcerário brasileiro tornou-se um espaço de exclusão social, marcado pela superlotação, pela ausência de políticas públicas de reinserção e pela presença cada vez mais forte das facções criminosas. Enquanto o discurso político se concentra em ampliar o rigor penal, *o que concordo, em tese,*porém, a prática revela uma dura verdade: o cárcere brasileiro não corrige, apenas agrava.

A pedagogia da ressocialização, que deveria ser a espinha dorsal da execução penal, foi substituída por uma lógica meramente repressiva. Na maioria dos presídios, não há projetos consistentes de educação formal, formação profissional, apoio psicológico ou reconstrução de vínculos familiares. O resultado é previsível: a reincidência. O condenado, sem perspectivas, retorna ao convívio social sem ferramentas cognitivas, emocionais ou sociais para reconstruir sua história – e, inevitavelmente, é tragado novamente pela marginalidade.

3. A Falha Estrutural do Estado: Ausência de Política Pública Integrada
A fragilidade da reintegração do egresso não decorre apenas da falta de recursos, mas da ausência de um sistema nacional integrado de ressocialização. Hoje, a execução penal termina no portão da prisão. Não há continuidade pedagógica, acompanhamento psicológico, programas de capacitação profissional, trabalho obrigatório, empregabilidade, ou mesmo assistência social que garanta o recomeço.

Esse vazio é rapidamente ocupado pelo crime organizado, que oferece o que o Estado nega: identidade, pertencimento e sustento. Enquanto o Estado prende, o crime adota o indivíduo, e o ciclo da violência se retroalimenta.

Portanto, não basta discutir o controle das facções ou o aumento de penas. É preciso discutir um programa de Estado com todas as intimações, onde o sistema possa educar, acompanha e reintegra o ser humano que, após cumprir sua pena, voltará a viver ao lado de todos nós.

4. A Urgência de Uma Pedagogia da Ressocialização
A ressocialização deve ser entendida como um processo pedagógico e multidimensional, que requer planejamento, continuidade e acompanhamento. Ela não se resume a um curso ou oficina, mas a uma mudança de paradigma: o preso deve ser visto como sujeito educável, e não apenas como corpo punível.

Propõe-se uma pedagogia da ressocialização estruturada em quatro pilares:
1. Educação e Formação Profissional – Garantia de acesso à alfabetização, ensino médio e cursos técnicos, com continuidade no pós-pena e certificação válida.
2. Apoio Psicológico e Familiar – A reconstrução de vínculos afetivos e a terapia social como instrumentos de reabilitação emocional.
3. Inserção Laboral Supervisionada obrigatória
– Programas de trabalho e parcerias com empresas públicas e privadas, acompanhados por equipes multidisciplinares.
4. Acompanhamento Pós-Penal – Criação de centros municipais e regionais de reintegração, com monitoramento do egresso por no mínimo 12 meses.

Essa proposta requer um novo olhar político e pedagógico, em que a execução da pena não seja o ponto final, mas o início da reconstrução cidadã.

5. O Retorno é Inegável, a Preparação é Opcional, e o Erro é Nosso
A sociedade precisa compreender que prisão não é destino final, mas etapa transitória. No Brasil, ninguém será eternamente encarcerado — e justamente por isso, a forma como tratamos o preso hoje define a sociedade que teremos amanhã.

Não há segurança pública duradoura sem educação, acompanhamento e reintegração social. Enquanto o Estado se preocupar apenas em trancar portas e não em abrir caminhos, o sistema penitenciário continuará sendo uma fábrica de reincidentes e um espelho da nossa omissão coletiva.

Como dizia Paulo Freire, “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” A verdadeira segurança começa quando o cárcere deixa de ser o fim da linha e passa a ser o recomeço de uma história humana.

 

 

 

Raimundo Mendes Alves — Advogado, Procurador aposentado, Ex policial e Vereador em São Gonçalo do Amarante/RN, [email protected]

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