A CRUEZA DO BRANCO… –
A folha branca na tela, ou no bloco de notas, é implacável. Ela escancara a ausência, o vazio onde deveriam florescer as ideias. O escritor a encara, no caso eu, sentindo o peso da tarefa iminente, no entanto, a mente parece um deserto tórrido, rachado pela falta de palavras. Sim, eu sei, há muito para dizer, o mundo grita com tantas histórias, mas nenhuma delas encontra eco dentro dessa minha cachola. A inspiração sumiu, evaporou como água em dia de sol forte.
O prazo aperta, as horas correm freneticamente, a obrigação paira. A cada minuto que passa, a pressão aumenta e as palavras se recusam a surgir. É, de fato, frustrante observar a própria impotência diante dessa tela muda. A mente divaga, buscando qualquer escape dessa tortura criativa. Nada surge diante do teclado com suas inúmeras possibilidades de digitar palavras, frases, parágrafos… Para quem não sabe, eu também não sabia até pesquisar no Google, a média de digitação por minuto é de 41,4 palavras em português, dependendo da memória muscular do indivíduo, mas, tudo depende de mim e das minhas criações literárias. O oco permanece.
E aí, eis que surge a tentação irresistível: abandonar a luta inglória e mergulhar em outro universo. Correr léguas de distância do meu espaço de trabalho, acender um cigarro (mesmo que imaginário) e ligar a televisão. Buscar refúgio nas tramas intrincadas de um bom suspense policial. Ali, há lógica, um problema a ser resolvido, pistas a serem seguidas. O detetive, com sua perspicácia, desvenda os nós da narrativa, oferecendo uma satisfação que a página em branco teima em negar. Escritora que nada! Acho que vou enveredar pelas bandas da investigação, espionagem, agente do FBI.
Enquanto isso, a batalha dessa jovem cronista- de meia idade- é interna. O mistério é descobrir como romper essa barreira invisível que impede o fluxo das palavras, dos pensamentos em sua concretude. Não há assassino ou álibi, apenas a sensação paralisante de não conseguir começar, quiçá terminar. A autocobrança se torna uma sombra constante, sussurrando dúvidas e minando a confiança. Ainda penso em qual filme assistir.
Mas, contudo, porém, todavia, a esperança reside naquela pequena fagulha que teima em não se apagar. Talvez, em meio à procrastinação consentida, enquanto os olhos acompanham os lances do investigador na tela, uma ideia germine. Vai que a aridez do branco se transforme, enfim, em um terreno fértil para as palavras. E que o suspense da página vazia termine com a alegria de ver a história tomar forma. Que o enigma seja desvendado!
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora dos livros As Esquinas da minha Existência e As Flávias que Habitam em Mim, crô[email protected]
