MENOS, POR FAVOR –

Estes dias o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do HC 232.627/DF, no qual se discute a manutenção da chamada “prerrogativa de foro”, nos casos de crimes cometidos no cargo público e em razão dele, mesmo depois que a autoridade tenha deixado a função. Prevaleceu, por 7 x 4, o entendimento do relator, Ministro Gilmar Mendes, pela concessão da ordem, para reconhecer a competência do STF para processar e julgar a ação penal originária, com a fixação da seguinte tese: “A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”. Ter-se-á, segundo consta, a aplicação imediata do novo entendimento aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior. Por derradeiro, o Ministro Flávio Dino ainda propôs acrescentar à proposta de tese um item II com a seguinte redação: “Em qualquer hipótese de foro por prerrogativa de função, não haverá alteração de competência com a investidura em outro cargo público, ou a sua perda, prevalecendo o foro cabível no momento da instauração da investigação pelo Tribunal competente”.

Bom, não vou entrar no mérito da decisão. Pode até ser o melhor direito. E nós, operadores jurídicos, a aplicaremos devidamente (já me manifesto expressamente nesse sentido).

O problema aqui está em ser essa, nos últimos anos, a enésima mudança de entendimento do STF sobre o tema, sem que, na maioria das vezes, haja alteração do texto constitucional ou na disciplina legal pertinentes.

Com todo respeito ao nosso STF – a quem atribuo um papel fundamental na manutenção do nosso Estado Democrático de Direito, sobretudo nos últimos anos –, essa “constante mudança” (desculpem a contradição em termos) de entendimento na temática causa grave perplexidade (ainda muito discutiremos os detalhes e as nuanças, que serão várias, da novel interpretação), tumulto (começará nos próximos dias um sobe e desce de inquéritos e processos), morosidade (esse sobe e desce causará um prejuízo enorme à celeridade da persecução penal) e impunidade na administração da Justiça (com a extrapolação desarrazoada dos prazos previstos, sabemos que a Justiça, entre nós, tarda e falha).

Um direito estável é salutar para qualquer país. A instabilidade, com regras de direito constantemente reformuladas e aplicadas de maneira diversa, prejudica muito a confiabilidade no sistema. Se, infelizmente, a instabilidade do direito parece já fazer parte da tradição brasileira, sofrendo o nosso sistema jurídico, num grau altíssimo, desse problema, contribuir jurisprudencialmente o nosso STF para isso é inadmissível. Com todo respeito, claro. Ademais, como de há muito aprendi com o saudoso mestre Arruda Alvim (em “Tratado de Direito Processual Civil”, RT, 1990), a partir da sua requerida estabilidade, deveríamos fomentar uma previsibilidade ou certeza (até bem futura) do que é o direito. A atividade jurisdicional, no seu conjunto e a do STF em especial, deve traduzir e, sobretudo, proporcionar essa certeza, para que os operadores do direito e os jurisdicionados, havendo já uma previsão de como as questões a eles relacionadas seriam tratadas judicialmente, possam melhor ordenar seus negócios e suas condutas. E isso sem falar na igualdade (talvez o fundamento derradeiro da Justiça) de tratamento decorrente de um entendimento jurisprudencial devidamente perene. Nada mais justo que casos semelhantes sejam sempre tratados de maneira semelhante; ao revés, nada mais injusto que esses casos (semelhantes) sejam tratados, se foi ontem ou é hoje, de modos diversos.

Dito tudo isso, rogo, para a temática aqui referida e para tantas outras tão importantes para o nosso país: mudanças, menos, por favor!

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL  e Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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