UM RETRATO DA INFORMALIDADE – Antoir Mendes Santos

UM RETRATO DA INFORMALIDADE –

Encrustados no Agreste pernambucano, os municípios de Santa Cruz do Capibaribe e Toritama, famosos na região e no país pela produção de peças de vestuário feminino e masculino, se destacam pela informalidade da mão de obra empregada na produção dessas peças, o que de resto acontece nos 54 municípios que integram essa região.

É importante lembrar que o polo têxtil de Pernambuco começou a se estruturar nessa região na década de 60, quando trabalhadores emigrados da seca na agricultura passaram a produzir e comercializar panos de prato e toalhas feitos com retalhos, como forma de sobrevivência e ocupação de mão de obra. Com o tempo, essa atividade foi se consolidando tendo, por um lado, surgido alternativas para a confecção de novos produtos e, por outro, aumentado a percepção de que no campo só se trabalha para comer, ninguém lucra nada.

Para acompanhar a evolução do mercado da moda, que passou a exigir designe, novas peças e a utilização de novas máquinas, os municípios do polo responderam com a especialização na produção de peças, o que ficou conhecido como “facções”, e com à produção de jeans, vestidos e moda praia, tendo o município de Santa Cruz do Capibaribe se especializado na produção de malhas e Toritama se esmerado na produção de jeans.  Em dado momento, a lavagem do jeans para a fabricação das peças, comprometeu a qualidade da água do rio Capiberibe que banha e fornece água ao município, tendo o governo estadual obrigado a que se fizesse a instalação de filtros.

Há quem diga que nessa região respira-se o empreendedorismo, na medida em que em torno desses dois municípios, existem inúmeras fabriquetas, geralmente representadas por núcleos familiares, produzindo peças inteiras ou cortando tecidos, pregando bolsos e zíperes ou mesmo tingindo tecidos. Essas facções recebem as encomendas e entregam o produto semiacabado. Naquela região, só não trabalha quem não quer !

Do ponto de vista de investimento, com três máquinas, adquiridas a um custo médio de R4 2.800,00 a R$ 3.000,00, já é possível constituir-se uma fabriqueta familiar e começar a produzir. Na região, estima-se que uma facção produz cerca de 400 peças por semana sob encomenda e sem vínculo empregatício. No caso das empresas maiores, cerca de 10 a 15 pessoas ocupadas, as jornadas de trabalho vão até 14 horas/dia, sem registro em carteira. Mesmo de difícil mensuração, especialistas estimam que a informalidade no mercado de trabalho é de cerca de 80%.

Até 2015, quando veio a crise o Moda Center, mercado criado em Santa Cruz para a comercialização dos produtos da região bombava uma vez por semana (geralmente no dia da feira), quando os pequenos produtores se reuniam para escoar sua produção. Com a crise o mercado encolheu. Em 2018, recuperou 7% de seu movimento comercial, estimando-se que em 2019 as vendas sejam mais promissoras. O mesmo acontece no município de Toritama, cuja produção de jeans corresponde a 20% da produção nacional.

O fato concreto é que o desenvolvimento  dessa região fundamentou-se nas relações de informalidade entre patrões e empregados, onde o advento da carteira de trabalho não fez a menor diferença. Certamente, a carteira verde e amarela, preconizada na reforma da Previdência proposta pelo Governo Federal, também não criará estímulo. Há na região, um sentimento amplamente difundido de que “emprego com carteira assinada rende um salário mínimo, enquanto que o trabalho informal numa confecção pode gerar o triplo desse valor”.

De mais a mais, às relações de trabalho no polo Santa Cruz/Toritama não guardam nenhuma correlação com a insalubridade a que estão submetidos os bolivianos que migram para São Paulo. Para quem advoga que a reforma entabulada pelo ministro Paulo Guedes terá um componente de flexibilidade, nas relações entre patrões e empregados, nada mais justo do que considerar o case do agreste pernambucano como um projeto-piloto !

 

 

 

Antoir Mendes SantosEconomista

 

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