TESOUROS ESCONDIDOS – Alberto da Hora

TESOUROS ESCONDIDOS – 

Vez por outra, a nossa dependência dos smartphones e das atraentes imagens televisivas é desviada para nossas estantes e prateleiras, onde repousam, esquecidos e quase sem utilidade, nossos livros, discos e lembranças registradas em fotografias ou em amadoras gravações e filmagens. Aí, então, nos damos conta de que temos à nossa disposição alguns tesouros culturais, afetivos e domésticos que os atrativos e as exigências da vida moderna nos obrigaram a esquecer. É quando percebemos que em meio aos bens acumulados nas estantes podemos lançar mão de um disco CD ou de um LP (se o seu interesse for além dos recursos mais recentes) e entre eles reencontrar grandes artistas nacionais ou estrangeiros; aquele álbum de fotografias, com imagens de parentes distantes ou desaparecidos; o registro de uma viagem, um passeio e outros eventos marcantes. Ali, estão guardadas felizes lembranças e caras preferências. Eu vejo, ordenadas e enfileiradas coleções adquiridas com empenho e interesse, e sinto que utilizá-las é até uma questão de justiça.

É de lá que eu, nostálgico e saudosista, retiro os discos de Ângela Maria, de Nelson Gonçalves, de Silvio Caldas, de Orlando Silva, por exemplo, para lembrar o tempo em que meus pais cantavam e ensinavam a cantar seus tantos e eternos sucessos. A mesma coisa eu penso quando tenho diante de mim as gravações de emblemáticas Big Bands norte americanas. Quanta alegria não causaram Glenn Miller, Tommy Dorsey, Stan Kenton, Benny Goodman e seus metais românticos e dançantes; as orquestras de Severino Araújo, Rui Rey, Waldir Calmon, Lirio Panicalli? E as vozes de Bing Crosby, Frank Sinatra, Tony Bennett, Ray Charles, Sarah Vaughn? E Carlos Gardel, e Charles Aznavour, Jacques Brel, Edith Piaf, Mireille Mathieu?

Claro que, atualmente, o acesso às obras de qualquer desses artistas é muito fácil. Já me criticaram por ainda me utilizar de meios obsoletos para ter acesso a um texto, a uma música, a um filme ou qualquer outra imagem. Reconheço e também utilizo plataformas e outras tantas e novas ferramentas, para minha informação ou deleite. Porém, quando procuro os arquivos e registros materiais convencionais é também para não me sentir totalmente submisso a todos os ditames da modernidade. Quando escrevo, mantenho ao alcance da mão edições de dois velhos dicionários, embora saiba que posso obter minhas respostas digitando o verbete na página do Google. Porém, folhear e pesquisar em um livro é para mim quase uma diversão; um exercício mental do qual não pretendo abrir mão.

Consultar e valorizar os arquivos, estantes e prateleiras é, em primeira análise, como visitar um velho ente querido no abrigo, no retiro, ou em algum desses lares para idosos. Faz com que eles se sintam lembrados, prestigiados e conscientes do valor das suas obras e do seu protagonismo. É por isso que estou sempre folheando velhos álbuns, valorizando aquelas fotos de cuja revelação aguardávamos ansiosos por quinze ou vinte dias, torcendo para que nenhuma fosse “queimada”; ou, vez por outra, me ocupando em colocar este ou aquele LP no toca-discos, aceitando com tolerância e compreensão o conhecido e irritante chiado da agulha percorrendo os sulcos; ou folheando a rara edição do amado livro Programa de Admissão, publicação dos anos 1950; ou aproveitando o interesse do meu neto mais novo e, junto com ele, confeccionando com cuidado e eficiência, bolas de meia, roladeiras com latas de leite, aviões de papel e outros divertimentos da infância pobre e distante; e sempre revejo filmes de Carlitos, do Gordo e o Magro, de Tarzan, chanchadas brasileiras e velhos filmes de faroeste, conservados com zelo, carinho e cuidados, como quem guarda preciosos tesouros escondidos.

 

 

 

 

Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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