O pavor do homem na presença das extremidades

 

         Quase todos nós vivemos uma existência que pode ser rotulada de normal. Ao longo de nossas vidas vamos cumprindo ritualmente as passagens comuns de paparicação, estudos, trabalhos, reprodução, envelhecimento, doenças e morte.

         Um ou outro tem em suas andanças coisas bem radicais como viver perigosamente e confrontar a morte ou estágios avançados de evolução espiritual. Como disse, esses são poucos.

         Nessa vida quase de gado, como um cantor já revelou tempos atrás, tendemos a existir no caminho do meio, sem problemas muito complicados e sem alguns êxtases desejados, lembrando que as referências do presente escrito não levam em conta questões financeiras e nem correlatas.

         Essa navegação humana por caminhos nem tão espinhosos e nem tão floridos, possibilita um fluxo normal de seres em passagem expiatória por este mundo material, com cada individualidade cumprindo sua sina e, imprimindo a sua história, as conquistas ou débitos que naturalmente temos devido a nosso DNA cósmico.

         Ao se aproximar dos extremos saímos dessa navegação mais tranquila e suave e passamos a experimentar picos de adrenalina que podem ser do bem ou do mal. Seja para um lado ou para o outro, o homem quando está diante do extremo, sente certo pavor e toda sua estrutura físico-química muda, com o interno buscando elementos que possuímos para fazer frente a novidade, e o emocional em estado de choque tentando entender a situação.

         No caso negativo isso pode ocorrer na iminência de um acidente de trânsito, diante de um bandido armado, numa briga mais barra ou sabendo de uma notícia bem negativa. Ficamos paralisados, trêmulos, pernas bambas, coração dispara, desmaios podem ocorrer, confusão mental, enfim, o extremo negativo desestrutura o ser e, nesta situação, não conseguimos sobreviver muito tempo. É preciso se restabelecer. Continuar muito tempo assim, é morte certa.

         Mas situações desconfortáveis também acontecem diante do extremo positivo. Quem tem familiaridade com relatos místicos, textos religiosos ou metafísicos, já leram que alguns seres evoluídos foram indo, seguindo em seus caminhos ascendentes até que diante de suas divindades, tremeram, não conseguiram olhar, ficaram cegos diante da luz, tímidos, sem voz, envergonhados e muitos voltaram ao plano normal sem conseguir dar prosseguimento a essa vivência espiritual profunda.

         Que leitura podemos fazer deste confronto do ser comum – qualquer um de nós, com altos representantes do mundo espiritual? Que vacilo é esse? Por qual motivo poucos conseguem abrir os olhos e se fundir na energia divina que o encontro proporciona?

         Não sei a resposta mas identifico isso em pequenos detalhes em meu cotidiano. Como dirigente de uma organização não governamental lisa, que vive constantemente pedindo recursos para continuar suas ações humanitárias, percebo claramente que muitas pessoas temem a proximidade com as coisas do bem. No meu caso, sou mais ajudado por pessoas que não conheço, do que por milhares e milhares que conheço e que até elogiam o trabalho, mas não concretizam o que seus lábios proferem, em forma de ajuda concreta.

         Vejo em minhas reflexões que as pessoas preferem ajudar aquelas entidades em que elas muitas vezes não conhecem seus dirigentes mais a fundo, preferindo manter certa distância. Na ONG que atuo já realizei muitos e muitos eventos e convidei todos os amigos e familiares. Conto nos dedos das mãos os que foram. Sinto então que as pessoas temem essa proximidade com o bem, temem se comprometer de alguma forma, preferindo a distância.

         Podia aqui citar muitos e muitos exemplos de como fico isolado neste ato de tentar apoio para o projeto que realizo, de como é difícil ver meus milhares de conhecidos, amigos e parentes, não prestigiando os acontecimentos, não ajudando financeiramente, não doando nada, apenas para não estar perto, pois sei que são pessoas de bem.

         Finalizo então deixando essa reflexão. Somos seres do meio, que encontram neste setor a tranquilidade que não apavora. Se para baixo as pernas tremem diante da morte iminente, para cima, para o bem, também não queremos muita conversa, não é um espaço que nos  deixe  tão confortáveis assim, daí muitos terem uma filosofia ativa de elogios e uma prática morna de ações concretas.

         Diante da percepção que boas amizades não movem os moinhos da caridade e da fraternidade que me propus a realizar e que venho tocando há muitos e muitos anos, estou caminhando para passar o bastão e continuar ajudando de maneira mais livre, sem o peso de uma entidade e os compromissos diários de um dirigente.

         Por enquanto continuo acreditando em dias melhores. Nada mais humano que sonhar, pois nossa divindade anda distante e envolvida na névoa cotidiana de nossos egos imperfeitos.

 Flávio Rezende – jornalista e ativista social em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)

Ponto de Vista

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