O MILAGRE DE DAYANA – Fabiano Pereira

O MILAGRE DE DAYANA –

A vida é cheia de mistérios. Uns dizem que o amor cura, outros que o tempo resolve tudo. Eu, no auge dos meus 60 anos, três casamentos oficiais, uns seis ajuntamentos e uma lista de restrições alimentares digna de prontuário hospitalar, digo sem medo de errar: quem cura mesmo é a saliva da Dayana.

Sim, fui alérgico a crustáceos e moluscos por longas e dramáticas décadas. Na juventude, quando ainda achava que casamento era contrato vitalício e que o colesterol era um mito, bastou um beijo da minha primeira esposa, após um camarãozinho inofensivo que ela comeu, para meu corpo entrar em colapso. Edema de glote! Garganta fechada. Uma ida ao pronto-socorro com direito a adrenalina na veia e médicos me olhando como se eu fosse uma iguaria exótica prestes a sumir do cardápio da vida. Quase fui dessa para melhor por causa de um beijo e de um único crustáceo que eu nem comi.

Depois disso, virei um fugitivo de frutos do mar. Camarão, lagosta, vôngole, mexilhão, siri, caranguejo… todos exilados do meu prato. Evitava até restaurante com cardápio ilustrado. Me tornei o cara que levava marmita pra casamento na praia. Uma vida sem glamour, sem riscos e, sejamos honestos, sem gosto.

Até que surgiu ela: Dayana. Trinta anos mais jovem, um sorriso que mistura juventude com desafio, e aquele tipo de energia que lembra que a vida ainda pode surpreender, e muito. No nosso terceiro encontro, ela pediu uma moqueca de camarão. Eu, obediente ao meu histórico clínico e ao meu medo de morrer em pleno flerte, pedi uma salada insossa, com ares de penitência. Mas o beijo veio mesmo assim. Beijo quente, molhado e envolvente, com um leve toque de dendê… e nada aconteceu de ruim.

Nenhuma coceira, nenhum pigarro, nenhuma mancha. Nenhuma ambulância. Apenas um formigamento bom na alma e talvez um pouco de pimenta nos lábios.

No mês seguinte, ela me olhou com aqueles olhos de quem sabe o que quer e disse: “Vai, prova um.” E eu, feito adolescente rebelde, comi. Um camarão inteiro.
Depois dois. Depois uma porção. E, veja só, ainda estou aqui, vivíssimo, mais saudável que nunca.

Alguns dizem que alergias podem sumir com o tempo. Pode ser. Mas eu prefiro acreditar em outro tipo de ciência. Boto fé na bioquímica da paixão, na enzima do afeto, uma saliva com poder de resetar o organismo. Na verdade, acho que Dayana me reiniciou. Como um antivírus natural, sensual e ultraeficiente.

E é nessa hora que lembro do saudoso Paulo Leitão, meu amigo de longos anos, que entre uma taça de vinho e outra sempre repetia, com aquele olhar de quem já viveu perigos e prazeres:

“Rapaz… a melhor coisa do mundo é ter uma mulher nova. Nem cuspe elas têm. Apenas uma babinha rala e transparente!”

Eu ria, meio cético, achando que era bravata de boteco. Hoje, só posso dizer: Paulo, você tinha razão. Confesso que subestimei o poder da saliva dessas garotas.

Adorando essa nova experiência, continuo me perguntando: o que uma mulher mais jovem pode trazer para um homem maduro?

Bom… ela traz risadas no lugar do silêncio. Aventuras onde antes só havia rotina. Traz música alta, selfies espontâneas, convites para viagens de última hora e um aplicativo novo que eu jamais saberia usar sem sua ajuda. Ela me trouxe de volta ao espelho, à vaidade, a reposição de testosterona, ao perfume caro. À mesa do restaurante onde eu nunca entraria sozinho. Traz um novo fôlego, não só de vida, mas do próprio ar, já que agora posso respirar mesmo depois de um rodízio de frutos do mar.

Ela me trouxe de volta a mim… numa versão atualizada, com Wi-Fi e paladar refinado.

O milagre, afinal, não foi só deixar de ser alérgico. Foi voltar a sentir vontade de viver tudo novamente, com camarão, beijos alucinantes e Dayana.

 

 

 

Fabiano Pereira – Arquiteto e urbanista

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