O CHEIRO DO PASSADO – Alberto da Hora

O CHEIRO DO PASSADO –

Sempre fui comedido e discreto com a minha apresentação. Desde jovem, optei por vestir-me de maneira simples e comum, talvez para não despertar sobre a minha pessoa atenções e curiosidades que, em virtude da minha timidez, pudessem me causar insegurança.

Com os sabonetes e perfumes também foi – e ainda é – assim; sou presa de um recato que me faz usar somente fragrâncias discretas, exceção feita aos desodorantes, dos quais prefiro os mais eficazes, a fim de propiciar maior proteção e não perturbar os outros com o incômodo causado por uma região sempre sujeita a maus odores. Meus hábitos de banho também são simples, e já “escandalizei” um amigo, quando lhe disse que nunca tinha usado xampu. E é verdade; em cinco ou dez minutos resolvo a minha higiene corporal utilizando, desde a cabeça até os pés, apenas o nosso consagrado, querido e eficaz sabonete, que, junto a um potente desodorante e uma singela alfazema provençal, garantem minha confortável e tranquila circulação entre os amigos, nos meus encontros sociais e profissionais.

As minhas relações mais estreitas e agradáveis com os perfumes, entretanto, estão no passado. Acredito que outros também mantenham esse tipo de impressão quando são capazes de associar lembranças, eventos e pessoas aos cheiros e perfumes indeléveis na memória afetiva. É o que sinto quando lembro a minha mãe, discretamente cheirosa, pronta para um eventual passeio com meu pai. Indo ao cinema ou aos programas de auditório, subia a pequena ladeira da nossa rua na Guarita trajando roupas de jovem senhora e exalando o perfume suave, complemento da sua elegante simplicidade.

Ainda lembro dos cosméticos que ela mesma aplicava nas nossas cabeças rebeldes, inquietas, e não nos deixando sair de casa sem a Brilhantina Rudy, o Óleo Glostora, ou o Petróleo Oxfor, que junto ao Leite de Colônia e o Talco Gessy, como desodorantes, tornavam-nos apresentáveis para as aulas do Grupo Escolar e para qualquer passeio ou evento festivo. Eles ainda existem hoje? E os cheiros, são os mesmos? Porque eu os reconheceria, ainda que não fossem mais oferecidos nos seus frascos e potes históricos e tradicionais, assim como seria capaz de reconhecer colônias, talcos, ruges e tantos ingredientes com que tias, primas e vizinhas se empapavam e depois ofereciam o cangote perfumado para a apreciação do meu orgulhoso e curioso nariz de menino “metido.”

E o cheiro dos remédios, dos alimentos enlatados ou empacotados, sagradamente consumidos e reverenciados? Rivais na preferência dos consumidores, o Vic Maltema e o Toddy eram presença alternada e constante. Também guardo os seus cheiros e sei que, apesar das “imitações” sofridas, ainda são fabricados até hoje. E sentindo o aroma de um eterno leite condensado, quem não recorda do nosso cheiroso café matinal reforçado com generosas porções daquele “Leite Moça”? Não permito à memória fugir ou à mente olvidar daquele tempo, que até do cuscuz, do mungunzá e do pão fresquinho e diário guardo a lembrança. Um alfenim, um cavaco chinês, um “gelé” de coco ainda hoje terão o mesmo cheiro e sabor? Na minha querida e usurpada Extremoz, cozidos em palhas de bananeira, será que ainda são “feitos” um grude, um bolo preto ou um beiju com aquela antiga dedicação, ou aquele cheiro de delícia?

Até dos remédios guardo os odores, os aromas: do insuperável Biotônico Fontoura, do milagroso e imortal xarope Bromil, dos vapores do incômodo Vaporub, todos, pelo que sei, ainda fabricados. Mesmo da viscosa e indigesta Emulsão de Scott ainda lembro. Porque todos sabem que sons e odores nunca nos abandonam; vivem conosco preservando na memória o necessário e indelével cheiro do passado.

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – Escritor, músico, cantor e regente de corais

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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