As leis de Sólon – 

Algumas poucas dezenas de anos após a época de Drácon (650-600 a.C., aproximadamente) e de seu famoso “código de leis”, as “leis draconianas”, datadas de 621 a.C. (aproximadamente), sobre quem e o que conversamos na semana passada, a Grécia ateniense se via novamente despida de paz e em vias de enfrentar uma guerra civil (algo não muito raro naqueles tempos lendários) entre os vários clãs e classes sociais existentes.

É nesse difícil contexto político e social, mais precisamente no ano de 595 a.C., que emerge a grande figura de Sólon de Atenas (638-558 a.C., aproximadamente), aristocrata de nascimento, comerciante de profissão, filósofo, poeta, estadista e magistrado, que – junto com Pítaco de Mitilene, Periandro de Corinto, Tales de Mileto, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Bias de Priene, segundo o rol que se tornou mais comum – é considerado um dos sete sábios da Grécia antiga.

A despeito de sua origem aristocrática, Sólon era por todos – velhos e jovens, políticos e comerciantes, aristocratas e homens comuns – tido em alta conta em virtude da sua sabedoria e da sua honestidade. Sobre Sólon, o grande historiador e biógrafo grego Plutarco (45-120) anotou algo como: “a classe alta concordou com ascensão política de Sólon porque ele era rico; e os pobres, porque sabiam que ele era honesto”.

Sólon, portanto, era o nome perfeito para pôr fim às guerras de facção e à desordem em geral e para promover as reformas (políticas, sociais, econômicas e jurídicas) necessárias.

E, assim, em 595 a.C., Sólon foi nomeado magistrado (arconte) de Atenas, com a responsabilidade de elaborar um novo conjunto de leis – ou “Constituição”, na forma ainda rudimentar de então, da qual ele foi, segundo Aristóteles, o seu grande “árbitro” – para essa cidade-estado.

No campo do direito propriamente dito, Sólon, antes de mais nada, revogou a maior parte da severa legislação de Drácon. Sólon, assim, deu uma nova abordagem ao direito na sociedade/civilização grega, apartando-se da tradição vigente. Entre outras coisas, como exemplifica e explica Michael H. Roffer (em “The Law Book: from Hammurabi to the International Criminal Court, 250 Milestones in the History of Law”, Sterling Publishng Co., 2015): “Acreditando que a igualdade desestimula a guerra, Sólon introduziu um novo equilíbrio de poder entre os nobres e os cidadãos comuns. (…). Ele tornou a justiça mais acessível ao facultar a todos os cidadãos o direito de ação e ao estabelecer o direito de apelação das decisões dos magistrados”. Atribui-se a Sólon a criação da Eclésia, assembleia popular da qual podiam participar todos os homens livres atenienses, desde que filhos de pai e mãe atenienses e maiores de 30 anos. Dentro da Eclésia, Sólon criou uma corte suprema, a Helieia, responsável por conhecer das apelações dos cidadãos. Sólon também criou a Bulé, uma assembleia/conselho de representantes de diferentes classes sociais encarregado de debater os projetos de lei antes da apreciação/aprovação pela Eclésia. Como também anota Michael H. Roffer, “a maioria dos historiadores veem nos esforços e sucessos de Sólon o fundamento da democracia grega, principalmente na flexibilização dos requerimentos de elegibilidade para o exercício dos cargos públicos, permitindo ao cidadão comum o acesso a estes”.

Ademais, como lembra Robert Hockett (em “Little Book of Big Ideas – Law”, A & C Black Publishers Ltd., 2009), Sólon também patrocinou várias reformas legais destinadas a eliminar práticas deletérias fundadas no poder econômico. Ele perdoou as dívidas dos agricultores e eliminou a escravidão como forma de execução de dívidas ou em razão de insolvência, sem falar nas medidas tomadas “diretamente contra cidadãos ricos que usavam do

seu poder econômico para obter vantagens nos vários níveis de governo”. Sólon, claro, provocou descontentamentos. Muitos na rica aristocracia não queriam perder seus privilégios; e boa parte povo queria mesmo, sobretudo, uma ampla reforma agrária. Bom, paciência, não dá para agradar a todos.

Por derradeiro, Sólon também cuidou para que sua legislação fosse o mais estável, previsível e acessível possível. Suas leis eram gravadas tanto em peças de madeira (chamadas “anoxes”) como em pilares de pedra (denominados “kyrbeis”), que eram fixados em espaços públicos para o conhecimento de todos. Talvez por isso, somado às qualidades intrínsecas delas, muitas das “leis de Sólon” vigoraram em Atenas por cerca cinco séculos; talvez por isso, somado à divulgação por ele mesmo empreendida em suas viagens, durante o seu exílio voluntário de dez anos, pelo mundo conhecido de então, a sua legislação tenha servido de modelo para várias outras cidades-estado da Grécia antiga.

Isso tudo, junto e misturado, faz do sábio/poeta Sólon um dos “pais fundadores” de Atenas (à semelhança do que Licurgo foi para Esparta) e da civilização grega como um todo. O que é muito. Aliás, “muito mais do que muito”, como diria o nosso poeta da “ave de prata”.

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

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