ROTULAGEM MUSICAL –
Há um samba-canção com batida jeca, “Flor do Lodo”, que inicia com uma descrição de um pontapé em penumbra (“Nesta madrugada, calma e fria/ Vem uma mulher me despedir…”), rumando com uma sentença conformista (“Segue mariposa a tua estrada/ que eu também irei pra muito além/ Da lama tu fizeste tua morada/ E eu quase cai nela também”), para finalizar sem perigo de volta (“Não posso mais viver a teu lado/Mulher, flor do lodo, adeus!”). Triste! Põe cheiro de chifre no ar.
A música é brega, mercê da estética lamuriosa e por ter autores sertanejos, Biá e Goiá, gravada em 1958 pela dupla Palmeira e Biá, o top do caipirismo de então. Entrementes, ainda hoje, se for apadrinhada por um cantor bem posicionado no meio cult, será cult também. Já vi esse filme, em várias edições! Lupicínio era ultrapassado e trilha sonora de cornança. Gal Costa deu nova roupagem a “Volta” (“…vem viver outra vez no meu lado/não consigo dormir nos teus braços/pois meu corpo está acostumado”) em 1972 e Elis Regina, audaciosa, embalou “Cadeira Vazia” (“vem, pode entrar, a casa é tua/ já te cansastes de viver na rua/ e os teus sonhos chegaram ao fim”) junto a outras canções, em 1973, chegando Paulinho da Viola, no mesmo ano, com “Nervos de Aço” (“Você sabe o que é ter um amor, meu senhor/ Ter loucura por uma mulher/ E depois encontrar esse amor, meu senhor/ Nos braços de um tipo qualquer”). Deu no que deu: Lupi também virou cuIt, conduzindo até o rebelde Arrigo Barnabé ao mundo dor-de-cotovelo, ao montar, já neste século, um show com músicas do sofredor gaúcho, a exemplo de “Judiaria” (“Agora você vai ouvir o que você merece/ As coisas ficam muito boas quando a gente esquece/ Mas acontece que eu não esqueci a sua covardia, a sua ingratidão/ A judiaria que você um dia fez pro coitadinho do meu coração…”).
Outro caso que não escapa da minha lembrança: Peninha compôs e gravou “Sonhos” em 1977, que integrou a trilha de novela global, mas ficou sinetada como música para pessoas iletradas, simplórias. O auditório do Chacrinha era o máximo que alcançava. Até que em 1982 Caetano Veloso deu-lhe belo arranjo de violão, colocando-a em destaque no disco “Cores, Nomes”, virando sucesso de público e de crítica! Taí! Vi muito intelectual (?) rindo ou choramingando com esse LP no sovaco.
Resumo da ópera: gostou de uma música? Não importa o rótulo; compre-a, cante-a. Quem apupa hoje, aplaude amanhã.
Ivan Lira de Carvalho – Juiz Federal e Professor da UFRN
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Que bom, meu caro primo Nelson Freire, ler artigo de alguém que gosta, se interessa e conhece bem a MPB. Adorei o texto do Ivan Lira de Carvalho! E às canções que ele elencou, que alcançaram sucesso com nova roupagem e interpretação, eu acrescentaria a famosa “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer”, que, após gravada por Caetano Veloso, para a trilha sonora do filme “Lisbela e o Prisioneiro”, fez o autor Fernando Mendes voltar ao cenário musical. Tal regravação rendeu ao cantor e compositor mineiro uma redescoberta, e resultou em uma coletânea lançada pela Som Livre. Essa mesma música foi gravada também por Bruno e Marrone, Cristhyan e Ralf, dentre outros. Devido ao grande sucesso, foram outorgadas à canção, cheia de romantismo, o prêmio da ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos) e o Prêmio Villa Lobos, como o disco mais vendido. A canção foi indicada para o Grammy Latino de 2004, e rendeu ainda mais prestígio e reconhecimento à sua carreira. Deixo com você a letra da canção.
VOCÊ NÃO ME ENSINOU A TE ESQUECER
Caetano Veloso
Não vejo mais você faz tanto tempo
Que vontade que eu sinto
De olhar em seus olhos, ganhar seus abraços
É verdade, eu não minto
E nesse desespero em que me vejo
Já cheguei a tal ponto
De me trocar diversas vezes por você
Só pra ver se te encontro
Você bem que podia perdoar
E só mais uma vez me aceitar
Prometo agora vou fazer por onde
Nunca mais perdê-la
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho
A ensaísta e literata Maria Eugênia fez essa breve análise da letra:
“O eu-lírico expressa uma saudade imensa da pessoa amada. Há passagens que mostram um erro cometido pelo autor, a vontade de consertá-lo e o pedido de uma chance. No refrão, o eu-lírico demonstra desespero de encontrar a pessoa amada, o abandono por ela e falta de uma direção na vida. Em suma, há um saudade da pessoa amada, um desespero por não encontrá-la e uma dúvida do que fazer agora que o autor está sozinho, abandonado.”