ARARA DO PÉ ROXO –

O radicalismo político dos anos sessenta desencadeou  paixões e ódios, às vezes, incontroláveis. Esse ambiente de alta combustão produzia com facilidade o surgimento de figuras folclóricas, esquisitas, extrovertidas e extravagantes como Janjão da rua do Vilar. Janjão bebia o veneno dos contrários. Defendia o seu partido como o evangélico a Bíblia. Gostava de repetir onde estivesse os ditos e os jargões dos comícios. Naquele tempo combatente como Janjão era pior que militante petista, xiita ou muçulmano. A ousadia tornara-se a marca registrada. Daí, a autodenominação de “arara do pé roxo” que significava dizer “dinartista extremado”.

Na campanha política de 1965, digladiaram-se dois senadores: Dinarte Mariz e Walfredo Gurgel. O Rio Grande do Norte cobriu-se de vermelho e verde. Araras contra bacuraus. O rolo compressor do governo Aluízio Alves dominava da capital ao sertão. Mas, em Macaíba, Janjão do Vilar ergueu-se contra o situacionismo tal e qual um paladino djalmista ou um samurai do rosadismo de Mossoró. Numa noite ruidosa de comício e vigília, o delegado de polícia local proibiu a passeata da arena vermelha. Protestos, insultos e prisões povoaram a noite da cidade. Tal um kamikaze ou um monge vietnamita, Janjão tremulava a bandeira e passava cantando em frente ao destacamento de polícia. “Queremos passeata e bacurau não empata. Queremos passeata e bacurau não empata…”. O mote ganhou as ruas e de repente de cada esquina e de cada janela das casas vozes uníssonas entoavam a frase da resistência. “Queremos passeata e bacurau não empata”. Janjão do Vilar transformara-se em Antônio Conselheiro, comandando a turba e organizando a massa. Mesmo com o carro de som apreendido pelo delegado e os músicos dispersos, a multidão se refez e com as pedras da rua “descalça” do Barro Vermelho desceram a rua Pedro Velho cantando alto: “Queremos passeata e bacurau não empata”. De outro flanco um  grupo atrevido sugeria em compasso bemol: “Daqui ninguém foge. Vamos comer bacurau assado com Mel Borges”. A essa altura a polícia foi impotente. O número de manifestantes a cada minuto aumentava. Chegaram os foguetões, as pistolas de cinco tiros e ninguém mais evitou o barulho, a festa enlouquecida e a paixão da turba se sobrepondo à razão e ao bom senso. Dia seguinte, o pior era suportar Janjão à porta de cada armazém, bar, farmácia e barbearia, cantando a musiquinha chata e provocante; “Queremos passeata e bacurau não empata…”. Ganhou o apelido pró-tempore: “Arara do Pé Roxo”.

 

Valério Mesquita – Escritor, membro da ANL e do IHGRN– Mesquita.valerio@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,2970 DÓLAR TURISMO: R$ 5,5030 EURO: R$ 6,1830 LIBRA: R$ 7,0830 PESO…

18 horas ago

Rodoanel é liberado após acidente com 5 carretas bloquear faixas na região de Embu das Artes

O Rodoanel foi liberado após um acidente envolvendo cinco carretas na manhã desta quinta-feira (4) provocar o bloqueio…

18 horas ago

CNU 2025: prova discursiva terá redação e questões; veja como funciona cada modelo

A prova discursiva da segunda edição do Concurso Nacional Unificado, aplicada neste domingo (7), é uma…

19 horas ago

PIB brasileiro fica estável e cresce 0,1% no 3º trimestre, diz IBGE

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil variou 0,1% no terceiro trimestre de 2025, informou o…

19 horas ago

‘Choques e queima de equipamentos’: Maternidade é parcialmente esvaziada em Natal por causa de problemas elétricos

Pacientes da Maternidade Escola Januário Cicco, ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte,…

19 horas ago

Lula abre reunião do Conselhão, que deve fazer balanço do grupo na COP 30 e discutir rumos da economia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu, nesta quinta-feira (4), a 6ª plenária…

19 horas ago

This website uses cookies.