A LÍNGUA –

O hábito de estirar a língua para um irmão ou colega de classe, durante uma discussão, rendia para a criança um castigo ou a ameaça da mãe passar pimenta na boca do filho.

É claro que a criança aprendeu a estirar a língua e dizer palavrões, com alguém, como colegas da escola ou mesmo gente de casa. Às vezes, os próprios pais e parentes ensinam gestos e palavrões aos filhos ainda pequenos, por brincadeira, e depois querem corrigir, quando já é tarde. Nenhuma criança nasce sabendo estirar a língua para alguém ou dizer palavrões. É injusto que os pais as castiguem por isso, se eles mesmos, às vezes, são os responsáveis por tal aprendizado.

No interior nordestino, as pessoas faladeiras e mentirosas tem fama de ter a língua muito grande. Existe até uma praga que diz que elas pagarão a maldade que praticam, com a língua pendurada e espetada com uma enorme e grossa agulha. Isso era castigo usado séculos atrás, também para aqueles que fossem incrédulos ou blasfemassem contra Deus e sua Mãe Santíssima. “Que lhes fosse tirada a língua pelo pescoço e fosse queimada.”

O Rei D. Afonso V estabeleceu que todo aquele que renegasse a Deus ou à Santa Maria, “se fosse Fidalgo, Cavaleiro ou Vassalo, pagasse por cada vez, mil réis para a arca da piedade (dos cativos); se fosse peão, que lhe dessem vinte açoites , enquanto, ao mesmo tempo, lhe metiam pela língua uma agulha de albardeiro, que ficasse na língua enquanto durassem os açoites.

O albardeiro era o fabricante de albardas, espécie de selas para jumentos e cavalos, e usava para costurá-las, uma agulha longa e grossa. Em qualquer castigo aplicado, a vítima teria o palmo de língua estirado fora da boca. A língua, atravessada por uma agulha, não podia ser recolhida. E o suplício era maior ainda, quando aplicado aos incrédulos e heréticos, homens de falsa fé, julgados merecedores da imagem atroz exposta.

Essa tortura, ao que se sabe, só é usada no Brasil como perjuros e pragas, rogadas aos merecedores de tal castigo.

Dizer que, necessariamente, alguém pagará a maldade praticada, com um palmo de língua de fora, espetada por uma agulha longa e grossa, é apenas um desejo de vingança de quem é ofendido.

O Gesto de estirar a língua para alguém, é considerado um insulto, pois, na prática, quem faz isso, está querendo mandar o outro para um determinado lugar, como o inferno ou à “m……”.

É um gesto agressivo e grosseiro e tem a mesma conotação de uma afronta ou injúria, em quase todas as partes do mundo. Sua prática é instintiva, quando “o saco” de alguém transborda de indignação. É uma reação agressiva, automática e não planejada. É uma resposta a um estímulo ou provocação.

Estirar a língua para alguém, num momento de raiva, é um gesto milenar, nacional e natural, sem origem nem história. Todos os povos o conhecem.

O escárnio, contido no gesto de mostrar a língua já era conhecido antes de Cristo.

Pois bem. – Trezentos e cinquenta e dois anos antes de Cristo, os gauleses assaltaram Roma com a violência tradicional. Um dos guerreiros, agigantado, confiando na sua robustez pessoal, diante do exército romano, desafiou-o para um duelo, exigindo um antagonista para o combate singular.
Os romanos, intimidados com a arrogância selvagem, ficaram silenciosos. O gaulês começou a rir com zombaria, e pôs a língua de fora num escárnio:

– “Deinde Gallus irridere coepit atque linguam exertare.” “Então o galo começou a rir e a esticar a língua”.

O jovem Titus Manlius, indignado com o ultraje, enfrentou o altíssimo inimigo, derrubou-o, decepou-lhe a cabeça, arrancando-lhe do pescoço um colar de ouro, e ornando-se com ele, a título de troféu. Ficou sendo chamado Torquatus, de “torques”, o colar.

O episódio consta em Tito Livio (VII, 9, 10) e em Aulo Gélio (IX, 13, 3), divulgando página dos desaparecidos Anais de Q. Claudius.
Portanto, séculos atrás, a língua estirada tinha a mesma conotação injuriosa, humilhante e provocadora dos dias atuais. Era um gesto idêntico para romanos e gauleses, germânicos e celtas.

Merece destaque a famosa fotografia do físico teórico alemão, Albert Einstein (Ulm, 14.03.1879 – Princeton, 18.04.1955), mostrando toda a língua, no dia em que completou setenta anos. Perguntado sobre a razão desse gesto, respondeu:

“A língua esticada expressa minhas opiniões políticas”, disse o célebre físico sobre a foto que o tornou um ícone pop.

 

 

 

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,2970 DÓLAR TURISMO: R$ 5,5030 EURO: R$ 6,1830 LIBRA: R$ 7,0830 PESO…

21 horas ago

Rodoanel é liberado após acidente com 5 carretas bloquear faixas na região de Embu das Artes

O Rodoanel foi liberado após um acidente envolvendo cinco carretas na manhã desta quinta-feira (4) provocar o bloqueio…

21 horas ago

CNU 2025: prova discursiva terá redação e questões; veja como funciona cada modelo

A prova discursiva da segunda edição do Concurso Nacional Unificado, aplicada neste domingo (7), é uma…

21 horas ago

PIB brasileiro fica estável e cresce 0,1% no 3º trimestre, diz IBGE

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil variou 0,1% no terceiro trimestre de 2025, informou o…

21 horas ago

‘Choques e queima de equipamentos’: Maternidade é parcialmente esvaziada em Natal por causa de problemas elétricos

Pacientes da Maternidade Escola Januário Cicco, ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte,…

21 horas ago

Lula abre reunião do Conselhão, que deve fazer balanço do grupo na COP 30 e discutir rumos da economia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu, nesta quinta-feira (4), a 6ª plenária…

21 horas ago

This website uses cookies.