WALFLAM QUEIROZ –

​Ao escrever minha crônica de ontem sobre o novo ano, lembrei-me de uma história ocorrida na viagem, que não contei para não alongar o texto. Conto agora.

Meu companheiro de viagem, mera coincidência, foi Walflam. Estudamos juntos no Atheneu. Embora não fossemos amigos íntimos, nos dávamos bem. Ele era uma figura original. Dias eufórico, conversava, contava histórias, agradável. Dias sorumbático, isolava-se num canto, não conversava com ninguém, e ficava lendo o seu livro inseparável, “Imitação de Cristo”, com o qual sempre andava e que nos acostumamos a ver.

​Quando fui comprar a passagem, marcar o lugar, encontro ele no escritório da companhia (acho que a Costeira, um desses Itas da vida – do peguei um Ita no Norte e fui pro Rio morar). Vimos que íamos no mesmo navio e mesmo destino e conseguimos que nos colocassem no mesmo camarote.

​Quando embarcamos, ele chegou com um pacote, que transportava com muito cuidado, redondo, muito bem embrulhado. Não disse nada, No outro dia, em alto-mar, não resisti e perguntei a ele; que diabo é isso, com o qual você tem tanto cuidado? Respondeu, é um bolo que uns parentes meu pediram para que levasse para outros parentes no Rio. Eu somente comentei: pô, mão-de-obra lascada. Se fosse você, comia. Não, não, eu prometi entregar. Problema seu, disse.

Alguns dias depois ele me perguntou. Dalton, vamos comer esse bolo? Claro. E os seus parentes, o que você vai dizer. Que ele mofou, começou o cheiro a incomodar e eu joguei no mar. Comemos o bolo todo. Se os parentes aceitaram a desculpa, não sei.

​Mas uma história trás outra, do mesmo problema, encomenda, embora completamente diferentes. Vale a pena contar. Meu pai tinha um bom amigo que, quase todos os dias, ia conversar com ele no escritório. Um dia, meu pai disse: vou ao Recife amanhã, quer alguma coisa? Respondeu, ou Júlio, que ótima coincidência. Tenho uma encomenda para você me fazer o favor de levar. Você vai no trem de amanhã? Exato, quando você chegar lá já estou com a encomenda e seu lugar reservado. Não é necessário, traga aqui que levo. E o amigo, não, faço questão. Você sabe que o trem sai às cinco da manhã. Sem problema.

Quando meu pai chegou na estação ele já estava e disse: vou levar você para o lugar que lhe reservei. Quando chegaram no vagão, junto ao assento de meu pai, estava um sujeito todo amarrado. Papai olhou espantado e aí ele explicou: é um parente meu, que anda meio perturbado e que gostaria que você entregasse na Tamarineira. Era o hospício mais famoso do Nordeste.

 

Dalton Mello de Andrade – Escritor, ex-secretário da Educação do RN

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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