Já tem um tempinho que ando assuntando sobre o significado de tudo isso que estamos vivendo.

Cogito se não estaríamos vivendo “entre dois mundos: um em estado terminal, e outro que luta por vir à luz”.

Busquei nos mestres do século passado uma possível fonte para compreender esta charada. Fixei-me em Macunaíma.

Segundo o seu próprio criador – Mário de Andrade (1893 a 1945) – Macunaíma representa “a aceitação sem timidez nem vanglória da entidade nacional”, concebida como o retrato cultural do povo brasileiro: “índio branco, feiticeiro, mau caráter, preguiçoso, mentiroso, egoísta, gozador, capaz de rir de si próprio e de nunca perder uma piada”. Terreno fértil para, frente à impunidade, florescer atos de corrupção, praticados com naturalidade, sem que sejam vinculados com a questão da Ética ou com a moral vigente.

Pequenas corrupções cotidianas são consideradas “defesas”, expressão muito usada por diversos segmentos da população. Um passo para aceitar a corrupção, a criminalidade, em todos os níveis.

Macunaíma poderia ser a metáfora de uma crise, mas também pode ser tomado como um desafio a ser vencido. O povo brasileiro teria sido formado historicamente de forma a ser capaz de adaptar-se, no cotidiano, a inúmeras formas de estratégias de sobrevivência (mentir e roubar são “espertezas” que integram esta cultura).

Capacitou-se a conviver “espertamente” com situações adversas de exploração, violência, drogas, corrupção, miséria, preconceitos, desemprego, analfabetismo, utilizando-se de armas ou mecanismos psicológicos os mais diversos. A arma mais utilizada é o cinismo travestido de humor. Mentir talvez seja a vice-campeã.

Impontualidade e Hipocrisia disputam pau-a-pau, visando sempre “levar vantagem em tudo”.

Essa faceta adaptativa de nossa complexidade foi comprovada recentemente em pesquisa do IBOPE, cujo resultado aponta na direção da aceitação generalizada do nepotismo, do patrimonialismo (invasão do público pelo privado) e da corrupção eleitoral.

A pergunta “Você venderia o seu voto? ” tem resposta imediata e sem pejo: “Depende do preço que você pagar”.
Em cada eleição, no Brasil, milhões de votos são vendidos.

O Ibope tem pesquisa, não publicada, reveladora dessa característica nacional: quase 75 por cento dos entrevistados admite que conviveria com a corrupção, se estivesse em cargo público.

Na base do “fiz porque todo mundo faz”.

Resumo da ópera: ainda que todos os corruptos saiam do governo, provavelmente, “tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes” ainda durante muito tempo. Até porque essas questões são estruturais, históricas, sistêmicas, e não serão resolvidas no médio prazo; nem fácil nem rapidamente.

Por tudo isso, antevejo que, no patropi, a cidadania – fundada na Ética – somente se fará vida após a geração dos meus bisnetos, aí pelo meado do século XXII.

Por enquanto, Macunaíma ainda vive, atua e corrompe. Ou seja, vivemos entre dois mundos: um minado pela corrupção endêmica, e outro no horizonte da utopia.

 

Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com

As opiniões emitidas são de responsabilidade dos colaboradores
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