VÍCIOS DE LINGUAGEM – Armando Negreiros

VÍCIOS DE LINGUAGEM –

– Vícios de linguagem são desvios em relação ao padrão culto da língua. Eles são agrupados conforme o pecado cometido…

– Ah, cara, vai dar aula de português, é?

– Não. O fato é que ocorrem coisas inacreditáveis. No cruzamento da Avenida Bernardo Vieira com Salgado Filho, às seis e meia da manhã, vidros do carro abertos para respirar ar puro, entregam-me um panfleto cujo texto estimula os jovens a receberem melhor formação engressando nas forças armadas. Êpa, ingressar com “e”, “engressar”, numa propaganda para educar jovens? É caso de polícia!

Se algumas expressões são tautológicas, como “há dez anos atrás”, “encarar de frente”, a repetição desnecessária de ideia (criar novos, subir pra cima, surpresa inesperada, acabamento final). etc., avalie erros crassos desse tipo. Mas, no dia a dia, temos que estar preparados para não transformarmos isso numa neurose, pois os insuportáveis seremos nós, acusados de intolerância.

Quem não muda de canal, ou interrompe a leitura de uma entrevista, quando se escuta, repetitivamente: “com certeza”, “a nível de”, “meio que”, “na verdade…”, “enfim”, “veja bem”, “entende?”, “está entendendo você?”, “Né?”, “compreende?”, “tipo assim…”? São as abomináveis muletas da fala cotidiana. Clichês insuportáveis, tipo aqueles gemidos, longos e ridículos antes de cada frase: aaahhhahhhahhahh… Melhor ficar calado, pensando, e pronunciar frases objetivas, claras.

arcaísmo, uso de termos antiquados, acho plenamente razoável e, quando são usados na hora certa, podem até dar uma conotação jocosa: por obséquio, debalde, entrementes. Já o barbarismo, erro de pronúncia (pobrema, framengo, vrido, sombrancelha, mimpimbu, mendingo, iorgute, Ordebrecht) é imperdoável e demonstra “inguinorança prena”. Há barbarismo também na grafia (como o engressar, citado no início), na morfologia, na semântica e no uso de estrangeirismos desnecessários (dar um “time” em vez de um tempo). O cacófato ocorre quando na sequência de palavras forma-se uma expressão ridícula ou obscena (me já dão, por razões). O eco – repetição da mesma terminação em prosa (“O acesso dado ao processo do réu confesso foi um retrocesso jurídico”); O preciosismo – linguagem pretensamente culta; O plebeísmo – uso de gírias ou termos que demonstram falta de instrução (“tipo assim”, “a nível de”). O solecismo – desvios na construção sintática, de concordância, regência e colocação (“Viajar anexo”, no sentido de viajar “ao lado de alguém”; “Fazem dias que viajei” contém erro de concordância).

Em um artigo, na revista Língua Portuguesa, Leonardo Fuhrmann afirma: “começou uma discussão se o correto é ‘risco de vida’, como sempre se falou, ou ‘risco de morte’. Mas você também diz que a ‘febre subiu’ quando na verdade foi a temperatura que subiu… Enrijecer um comportamento, mesmo o que se pretende corretivo, pode ser um erro de português tão grave quanto o próprio vício que se quis corrigir.” Os apresentadores aderiram à tal idiossincrasia e só se referem a “risco de morrer”, “risco de morte”, quando não há nada de errado em falar “risco de vida”, pois aí está o risco de perder a vida.

Mas o fato é que alguns vícios doem no ouvido. Deve-se evitar a afetação exagerada e tomar qualquer expressão como viciosa. Um pleonasmo pode ser usado para enfatizar um acontecimento: vi com os meus próprios olhos! Devemos prestar uma atenção redobrada à própria fala para não incorrermos em repetições – e já estou repetindo – como “né?”, “tipo assim…”, “entende?” Uma gagueira que irrita profundamente os circunstantes.

Para o filólogo Valter Kehdi expressões são petrificadas na linguagem de pessoas que as usam a esmo, inconscientemente, mas a recorrência crônica a clichês seria provocada pela dificuldade de o falante construir conexões, de estabelecer a passagem entre um raciocínio e outro, uma sentença e outra, o que se pensa e é efetivamente dito.

Para o professor Eduardo Antonio Lopes o uso mecânico de termos inadequados ou fora de contexto não é mazela exclusiva de quem não teve boa formação cultural e linguística. Se um advogado bem formado usar a expressão “data vênia” em uma conversa fora dos tribunais, vai soar pedante e inadequado. A impressão do ouvinte é que ele não tem domínio sobre os recursos de linguagem, mesmo que banque o erudito. É uma falta de controle no uso da linguagem – exemplifica.

A mensagem em um escrito só é transmitida pelas palavras, o que exige precisão de uso. Há textos de Fernando Pessoa e de Machado de Assis, diz Kehdi, em que as palavras são suficientes para deixar clara a ironia. Já no discurso falado as expressões faciais e corporais e a entonação também servem para reforçar o tom irônico de uma fala.

Segundo o professor, a discrepância entre fala e escrita seria a razão pela qual não há regra objetiva de combate ao uso de clichês e vícios. O que é racionalmente controlável, ao papel, não o é tanto, ao pé do ouvido. A solução é prestar atenção à própria maneira de falar, com espírito atento à redundância crônica, e fazer autopoliciamento para evitar o uso excessivo de certas expressões.

Finalmente a endorréia (nem o Word reconheceu o termo) que também é chamada de gerundismo. O medo de ser chamado de endorreico – uso abusivo do gerúndio (“vou estar + gerúndio”, “vou estar participando”) tem feito com que muita gente deixe de usá-lo quando havia indicação: não atendi ao celular porque estava escrevendo!

 

 

 

Armando Negreiros – Médico e Escritor
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,1130 DÓLAR TURISMO: R$ 5,2810 EURO: R$ 5,5570 LIBRA: R$ 6,4920 PESO…

2 dias ago

Órgãos não têm como chegar ao RS e até 2,7 mil pessoas podem ficar sem transplantes

As inundações que atingiram o Rio Grande do Sul nas últimas três semanas tiraram, temporariamente, o…

2 dias ago

Caixa começa a pagar Bolsa Família de maio

A Caixa Econômica Federal começa a pagar a parcela de maio do novo Bolsa Família.…

2 dias ago

Brasil comemora retirada de Cuba da lista dos EUA sobre terrorismo

O Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil comemorou, em nota publicada nessa quinta-feira (16),…

2 dias ago

Taxa de alfabetização chega a 93% da população brasileira, revela IBGE

No Brasil, das 163 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 15 anos,…

2 dias ago

Dupla é flagrada fazendo manobras arriscadas com quadriciclo na BR-101

Duas pessoas foram flagradas fazendo manobras arriscadas com um quadriciclo na BR-101, na altura de…

2 dias ago

This website uses cookies.