UM MODELO DE ESTÉTICA SURGIDA NO TEMPO DE LAMPIÃO QUE SE ALASTROU PARA AS DANÇAS E A ARTE DO FOLCLORE NACIONAL –
“Arte pra mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte pra mim é missão, vocação e festa” (Ariano Suassuna)
Naqueles dias de sol em brasa e transgressão inculpável …
Bastava mencionar o nome de Lampião como estando nas proximidades de um vilarejo do sertão era o suficiente para que muitos corressem para os matos e serrotes. Ficavam nos caminhos os que se beneficiavam de seus óbolos, para sustentar os ditos coiteiros; talvez esta a maior estratégia do astuto Lampião para se manter a salvo de tantas caçadas e duelos ao longo de vinte anos.
Mas por que o cangaço, que se exauriu com a morte de Corisco em 1940, deixou rastros na mídia, nas letras, no cinema, e, principalmente no folclore com as indumentárias estilizadas por Virgulino Ferreira da Silva?
O mestre Câmara Cascudo registrou que nas acampadas do bando em esconsos retiros da caatinga Lampião se atracava com agulhas e linhas para costurar e bordar, numa arte singular, as roupas, lenços, cinturões, bornais (peça que Dadá de Corisco deixou marca de remate artístico). Maria Bonita ao se incorporar ao bando passou a tecer lenços de sua lavra, com a estimulação do companheiro Lampião. A cada peça ou elemento do liforme lá estava a exibição de bordados com flores, estrelas e símbolos místicos.
Para Virgulino a exibição dos uniformes ostentatórios, com o apuro estético, elevava a autoestima e laivos de poder, perante os coronéis e chefes políticos, além de despertar a admiração no povo das caatingas, pobres e apartados do alcance estatal.
E todo esse aparato colorido e envaidecedor se revelava a cada passagem do bando, em meio a sequência de recontros com volantes de contratados que vinham de toda parte, dizer que se cometiam excessos é pleonasmo! Tanto as milícias quanto cangaceiros ousavam legitimar atos de degola, assassínios, estupros e assaltos, estes com a irrisória tacha de bandeiras sociais.
Um livro que mergulhou nesse universo de cultura tratando dos requintes, da significação dos entalhes e peças, está em Estrela de Couro – Estética do cangaço, de Frederico Pernambucano de Melo. Traça um exame minucioso das origens das representações e desenhos, a exemplo do signo de Salomão, da cruz de malta medieval, a flor-de-lis, das variações amealhadas na flora da caatinga, além das combinações atinentes a cada cangaceiro. Assim se fez um tempo de glórias efêmeras, suor, destemperos e lágrimas.
Luiz Serra – Professor e escritor
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