SOMBRAS DA CIDADE –

O progresso é um cárcere privado, muitas vezes, ominoso e fatal para os telúricos, os proustianos como eu. Nasci na antiga Rua do Comércio, hoje, Nair Mesquita, em Macaíba. O local é um sobrado que não resistiu numa rua de casarões destruídos ou desfigurados. Assim ocorreu com os sobrados onde nasceram na mesma rua: Auta de Souza, Henrique Castriciano, Augusto Severo e Alberto Maranhão.

Da ponte sobre o rio Jundiaí, até a Igreja Matriz em frente a antiga prefeitura, na avenida Nossa Senhora da Conceição – berço histórico, social e cultural da cidade – todo o passado está sepultado sobre o asfalto e edificações novas em nome do progresso. É um visual que choca, punge, frustra. E como são falsas e hipócritas as coisas novas. Esse trecho parece com o bairro do Alecrim, burguês, atrofiado, tumultuado e disforme.

Macaíba perdeu a elegância clássica, altiva, portentosa, de cidade antiga nascida às margens de um rio. Cidade dormitório, super povoada, crescimento desordenado, são outras chagas doloridas de sua deformação permanente. No centro investiram no seu futuro matando o antigo, o passado, o histórico, como se não valessem. Destruíram a sua identidade. Não conheço mais a minha cidade, porque baniram as antigas tardes silenciosas e as manhãs contemplativas das velhas figuras da cidade que tanto encantavam os meus olhos de menino: Olimpio Maciel, Euclides Ribeiro, Emídio Pereira, Manoel Alves, Severino Aleixo, Francisco Moura, Isbelo Vieira, Alfredo de Almeida, José Benevides Campos, Luiz Cúrcio Marinho, Magno Tinôco, José Augusto Costa, Agnaldo Ferreira, João Fagundes, Luiz Marinho de Carvalho (tenho dezenas de outros nomes que se torna enfadonho declinar), sem esquecer as folclóricas: Maria Cabral, Pachêco, Cabeção, Sérgio Cabeceiro, Zé Bomba, Sabiá, Pirôba, Núbia Lafayette, Luiz Bicho Feio, Manoel Dedo Melado, Zé Distinto e tantos outros.

Vivo e convivo com todos esses fantasmas da cidade na minha mente. São sombras que não se desfazem com o tempo porque viveram momentos profundos, densos e intensos. Por mais que Macaíba desintegre a sua configuração urbana elas estão impregnadas nas paredes e refletem no chão dos antepassados, tudo o que já foi. Ninguém pense que sou contra o progresso. Não. Espero que entendam o meu sentimento. Registro o fato como quem fotografa um instante, um instante triste, de um universo perdido de sonhos e ilusões. Uma canção ligeira em louvor de tantos – simples e sábios – hoje, sombras, nada mais.

É nesse vácuo que reside a minha perplexidade. Um silêncio dominado pelo abandono e a indiferença. Ninguém coloca em cena a coragem de contemplar restituído, o universo oculto de Fabrício que fez brilhar o nome de Macaíba dentro e fora do Rio Grande do Norte, na segunda metade do século dezenove. Não bastam, apenas, reprisá-lo com lendas e narrativas, como tivesse sido um mundo de ficção. Melhor que a dispersão da palavra solta, é ouvir o eco de suas paredes reerguidas, das vozes trazidas pelo vento das vidas que não se pulverizaram mas renasceram pelas mãos das novas gerações. Esse universo semi-desaparecido, clamo por ele, aqui e agora, afirmando que a melhor imagem de um homem, após a morte, não são as cinzas, mas a obra que legou à posteridade, revivida e restaurada como reconfortante e fiel fotografia de sua história e vida.

 

 

Valério Mesquita – Escritor, mesquita.valerio@gmail.com

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