REFLEXÕES AO ENTARDECER –
Tarde tediosa aquela do domingo, dia dos pais. O silêncio vespertino de Lagoa Nova me envolvia de surda espera. O quadro das ruas desabitadas se acostumou ao olhar vergado de tantas rotinas. O que mais devo repartir além da fadiga? Quantas pedras deverei ainda remover do caminho, como no verso de Carlos Drummond de Andrade? Cansaço físico e mental é muito comum. Diante de tudo que passei confesso que sobrevivi. Nordestino de Macaíba sobrevive – só Pablo Neruda confessou que viveu. Quem faz a travessia política durante mais de quatro décadas pode dizer que combateu e não perdeu a lâmina da alma.
Estou consciente que completo mais um périplo em torno do tempo. Silente, penetro no labirinto sem recomeço. Já ingressei na fila dos caixas eletrônicos. Acima de oitenta sou digno de atenção especial. Sou um jovem velho e a lei generosa permite. A idade é vulnerável mas navegável quando soprada pelo vento leste porque ainda tenho a memória do fogo e da rosa. Explicar a minha vida? Não há porquê. Tenho um amigo que já escreve a sua autobiografia precoce aos sessenta. Se fizer tal coisa, isso somente irá ocorrer quando sentir o medo de viver. Ainda acredito na aurora, no porto, no barco, nas estrelas, no pássaro, na paz, no perfume de mulher. Aliás, o dossiê biográfico pesará pouco diante da Providência. Terão mais valor as ações que deixaram de ser feitas. O pecado da omissão é assombroso. Conforta-me haver atravessado “as noites escuras do tempo” sem desamar os frutos. O quinhão usual de tristezas e equívocos fica por conta da difícil condição humana de ser. Na vida pública aprendi uma amarga lição que serve aos atuais protagonistas: na política não há só amigos e inimigos, mas conspiradores que se unem.
Vivo, portanto, o desconforto e a nostalgia de mim mesmo ao me deparar com o sonho dos meus vinte anos que a idade madura não confirmou. Sinto-me disperso, irrealizado, quando retorno às minhas origens telúricas. A meta de trazer o passado ao presente, reconstruí-lo pela palavra e pensamento a fim de reconquistar a minha auto-estima, parece-me uma tarefa hercúlea porque constato que o personagem não sou eu mas, sobretudo, o tempo. Deduzo que, precisaria recriar os fatos e renascer as pessoas. Verifico que sou o resultado de todas as convivências e acontecimentos afins do passado. Por isso o vácuo e a irritação me arrastam ao entendimento inconcluso de que tudo foi ilusão e fantasia, ou infecção sentimental.
Mas, o patrimônio existencial da terceira idade, onde a memória olfativa, a auditiva e, principalmente, a visual, procuram restituir-me o universo perdido das fases inaugurais da vida. Aquela lua cheia, por exemplo, vista do cais do rio Jundiaí em Macaíba, como se estivesse pendurada por fios invisíveis, atrás dos coqueiros e eucaliptos, infundia-me na adolescência negro mistério do tempo da colonização dos escravos, índios e colonos, escuridão e medo, como se as fases da lua chegassem naquele tempo por édito imperial. Como me perco na contemplação do Solar do Ferreiro Torto e os seus sortilégios de poder, carne, cobiça e paixão. E a descortinação surpreendente do Solar dos Guarapes. Quantas perguntas insaciadas não existem sobre o que ocorreu ali? Os seus fantasmas que subiam e desciam a colina sob a batuta do senhor de engenho numa cosmovisão ora polêmica, ora lírica, dentro do abismo da memória?
Em cada rua onde passo em minha terra revisito os mortos na lembrança tentando reconstituir os fatos com os quais dividi o tempo. Diante do que possa sugerir esquisitice, essa ressurreição de ambiente me faz impetrar uma medida cautelar possessória para uma manutenção do espaço perdido tal qual um desesperado náufrago da complexa realidade de hoje. “Sigo o rio. O rio conhece o caminho”. É o estribilho de uma antiga canção do faroeste americano. O leito caudaloso da memória sempre me conduzirá às vozes que vêm de longe.
Valério Mesquita – Escritor, mesquita.valerio@gmail.com
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