Diógenes da Cunha Lima

 Onde está Abel, teu irmão?  Ubi est Abel, frater tuus? (Gênesis, Vulgata, 4.9, a primeira vez que Deus fez uma pergunta).

 O homem é um animal manso?

Minha filha Karenina, com o otimismo próprio da idade, respondeu que era feroz, mas controlável.  Alguns seriam mais ferozes do que qualquer outro animal.  O escritor Nelson Rodrigues é pessimista sobre a violência: “O ser humano é um assassino natural.  O ser humano é feroz”.

Nesses ásperos tempos de decomposição social, vivemos sob o império da insegurança e do medo.  A polícia, com a limitação do possível, não tem sucesso no seu apoio à comunidade.  A lei proíbe as armas de fogo para o cidadão, mas não pode impedir que cheguem às mãos dos marginais.  Os marginais fazem a administração da morte.

Dos Estados Unidos nos vem o lema de tolerância zero.  O Ministério Público,  a Magistratura, a Polícia, advogados, tentam ampliar a tolerância zero para a impunidade zero.  Como conseguir chegar a altura deste ideal?

A população, insegura e amedrontada, apenas tenta seguir o preceito bíblico: “Afasta-te do homem que tem o poder de matar…” Eclo. 9.18.

No passado mais remoto, o homem matava por canibalismo ou antropofagia.  Na Grécia, matava-se o deficiente.  Matavam-se cavalos e escravos para servir ao senhor defunto.  Na Idade Média ocorria o que Julián Marías chamava de insensibilidade para a crueldade.  Era a justiça penal religiosa, sobrevivente ainda com outras características em países islâmicos.  A Revolução Francesa praticou matar, por política, em larga escala.  Por ideologia, intransigência ideológica o nazismo matou seis milhões de judeus, o comunismo dez milhões de outros cidadãos.

“ E ver que a vida passou e os pecados não passaram”.  previu em Sermão do Advento o Padre Vieira.

Uma quase menina, chamada Amina Lawal foi condenada, recentemente, à morte pela corte islâmica em Lagos na Nigéria.  Será lapidada, apedrejada até a morte.  O crime de que é acusada:  teve filho mais de nove meses depois do divórcio.  Raciocínio “jurídico”:  prova definitiva de que teve relações extra-conjugais.   O seu advogado recorreu da decisão. Não para mudar a terotológica sentença. O advogado apenas pediu que a execução da sentença de apedrejamento seja feita depois de encerrado o período de amamentação. E as 114 Suratas do Alcorão começam: em nome de Deus Clemente, Misericordioso…

Jesus, que evitou a lapidação de uma adúltera, (atire a primeira pedra!)  foi condenado à morte pela justiça romana, instigada pela justiça religiosa judaica.

A lei e o direito tiveram origem na religião, com sacerdotes juízes.  As normas eram prescrições litúrgicas.  O cristianismo veio libertar o direito, dar-lhe a verdadeira autonomia.

Ensinando a amar a seu próximo, estabeleceu o extremo oposto ao matar o próximo.  O cristianismo não reeditou  o direito de guerra.  Na guerra, matar era justo.  Deus, Filho, pelo que pregou, não admitia a matança em massa como ocorrera no dilúvio.

A ONU também recentemente admitiu intervir em países por questões humanitárias.  Não seria o caso?  Toda a humanidade não se revolta com esse assassinato com força de lei?  Matar uma quase menina porque fez amor?  Se o islamismo é religião da tolerância, como matar em nome desta religião?  Jesus não perguntará de novo quem vai atirar a primeira pedra?

Não matarás suscita muitas discussões, estudos, conflitos. O aborto é assassinato? A eutanásia é crime ou permissível?  O suicídio pode ter alguma justificativa?

É legítimo o aborto feito pela mulher grávida em razão do  estupro. Que dizer do direito de morrer? Como justificar-se matar por amor, os crimes passionais, um amor homicida? Como prolongar a vida de uma pessoa cujo sofrimento é inarredável até a morte e que lhes deixa marca impeditiva e dignidade de viver? Por último: há justificativa para os terroristas suicidas: morrer para matar? O homicídio pode ser omissível, o abandono, o desamparo de quem tínhamos a obrigação de assistir.

Será que Deus, não vai perguntar a mim, a você (como fez a Caim) se calarmos perante as injustiças de hoje, a pergunta terrível: onde está Amina Lawal, tua irmã?

Diógenes da Cunha LimaEscritor,  presidente da Academia de Letras do RN 

 

 

Ponto de Vista

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