QUINTA DE EMOÇÕES –
O ‘Naquela Mesa’ congrega amigos que revisitam o passado, ao tempo que o ‘tempo’ vai sendo descartado como calendário de folhinhas destacadas a cada dia.
Mas nem só de passado vive o homem e, como tal, utilizamos o tempo presente para revigorar a alma com temas culturais, que passam pelas canções, pela filosofia, pelo pensamento apurado e por aquilo que, interessante seja, compartilhar com os amigos que caminharam juntos, na faina, até ali.
Numa dessas quintas-feiras revigorantes, corroborando com a pauta aberta que caracteriza esses encontros, eis que vem à tona, o “QUARTO DE DESPEJO”, trazido pela querida Ismênia Cardoso.
“QUARTO DE DESPEJO” livro de Carolina Maria de Jesus, que recebe como subtítulo “Diário de Uma Favelada” vinha, há muito, insistindo em ser manuseado em suas páginas já amareladas pela guarda e que a cada arrumada de gaveta – feita por Ismênia – escapava de ser descartada, sem que sua mensagem fosse revertida em emoções por quem dela desfrutasse.
Quem era Carolina Maria de Jesus?
A autora do livro citado foi uma das primeiras e destacadas escritora negra brasileira. Nascida em Sacramento, interior de Minas Gerais, em 14 de março de 1914, neta de escravos, filha de uma lavadeira analfabeta, que por incentivo de uma das freguesas de sua mãe, passou a frequentar a escola.
Com sete anos ingressou no colégio Allan Kardec, onde cursou até a segunda série do ensino fundamental. Lá desenvolveu o gosto pela leitura e demonstrava interesse em conhecer os saberes das letras e praticar a escrita.
Quer conhecer mais sobre a vida de Carolina?
Vamos então seguir o texto da professora Dilva Frazão, bacharel em Biblioteconomia pela UFPE e que no site eBiografia, descreve mais sobre Carolina:
“Morando em uma favela, durante a noite trabalha como catadora de papel. Lê tudo que recolhe e guarda as revistas que encontra. Estava sempre escrevendo o seu dia a dia. Em 1941, sonhando em ser escritora, vai até a redação do jornal Folha da Manhã com um poema que escreveu em louvor a Getúlio Vargas. No dia 24 de fevereiro, seu poema e sua foto são publicados no jornal. Continuou levando regularmente seus poemas para a redação do jornal. Foi apelidada de “A Poetisa Negra” e cada vez mais admirada pelos leitores.
Em 1948 muda-se para a favela do Canindé. Nos anos seguintes, Carolina foi mãe de três filhos, todos de relacionamentos diferentes. Em 1958, o repórter do jornal Folha da Noite, Audálio Dantas, foi designado para fazer uma reportagem sobre a favela do Canindé e por acaso, uma das casas visitadas foi a de Carolina Maria de Jesus, que lhe mostrou seu diário, surpreendendo o repórter que ficou maravilhado com a sua história.
No dia 19 de maio de 1958, Audálio publicou parte do texto, que recebeu vários elogios. Em 1959, a revista O Cruzeiro também publica alguns trechos do diário. Mas foi em 1960 que foi finalmente publicado o livro autobiográfico “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, em edição de Audálio Dantas. Com tiragem de dez mil exemplares, só a noite de autógrafos foram vendidos 600 livros.
Com o sucesso das vendas, Carolina deixa a favela e pouco depois compra uma casa no Alto de Santana. Recebe homenagem da Academia Paulista de Letras e da Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo. Em 1961 viaja para a Argentina onde é agraciada com a “Ordem Caballero Del Tornillo”. Nos anos seguintes publica: “Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-favelada” (1961), “Pedaços da Fome” (1963) e “Provérbios” (1965).
Apesar de ter um livro transformado em Best-seller, Carolina não se beneficiou com o sucesso e não demorou muito para ela voltar à sua condição de catadora de papel. Em 1969 mudou-se com os filhos para um sítio no bairro de Parelheiros, em São Paulo, época em que é praticamente esquecida pelo mercado editorial.
Carolina Maria de Jesus faleceu em São Paulo, no dia 13 de fevereiro de 1977”.
Agora, conhecida por você, vamos a alguns fragmentos que recolhemos do seu precioso “Diário de Uma Favelada”:
20 de julho de 1955
Deixei o leito às 4 horas para escrever. Abri a porta e contemplei o céu estrelado. Quando o astro-rei começou despontar eu fui buscar água. Tive sorte! As mulheres não estavam na torneira. Enchi minha lata e zarpei.
Preparei a refeição matinal. Cada filho prefere uma coisa. A Vera, mingau de farinha de trigo torrada. O João José, café puro. O José Carlos, leite branco. E eu, mingau de aveia. Já que não posso dar aos meus filhos uma casa decente para residir, procuro lhe dar uma refeição condigna.
Terminaram a refeição. Lavei os utensílios. Depois fui lavar roupas. Eu não tenho homem em casa. É só eu e meus filhos. Mas eu não pretendo relaxar. O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de alto preço, residir numa casa confortável, mas não é possível.
Eu não estou descontente com a profissão que exerço. Já habituei-me andar suja. Já faz oito anos que cato papel. O desgosto que tenho é residir em favela.
Estendi as roupas rapidamente e fui catar papel. Que suplício catar papel atualmente! Tenho que levar a minha filha Vera Eunice. Ela está com dois anos, e não gosta de ficar em casa. Eu ponho o saco na cabeça e levo-a nos braços. Suporto o peso do saco na cabeça e suporto o peso da Vera Eunice nos braços. Tem hora que revolto-me. Depois domino-me. Ela não tem culpa de estar no mundo.
Refleti: preciso ser tolerante com os meus filhos. Eles não têm ninguém no mundo a não ser eu. Como é pungente a condição de mulher sozinha sem um homem no lar.
Aqui, todas implicam comigo. Dizem que falo muito bem. Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo.
Todos que desfrutaram da análise do Quarto de Despejo, mesmo sem viver situação, nem parecida, como a de Carolina, sentiram-se em retidão e reflexão sobre a “vida como ela é”.
Revisite também seu ‘quarto de despejo’ e, talvez, perceberá quão cheio esteja de sentimentos que não valem a pena guardá-los.
Afinal, é como disse Carolina: “Temos só um jeito de nascer e muitos de morrer”.
Foi uma quinta de emoções.
Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras (josuacosta@uol.com.br)
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