Precedentes no NCPC: uma sistematização (I)

Marcelo Alves Dias de Souza 

Como prometido na semana passada, vou abordar aqui alguns pontos do novo CPC, dando, se vocês permitirem, os meus pitacos sobre cada um dos temas tratados. Inicio esta pequena série de artigos, já que não sou besta, por uma temática que me é familiar, a dos precedentes judiciais, tentando mostrar como eles (os precedentes) são tratados no NCPC.

Antes de mais nada, pelo que pesquisei, o NCPC refere-se aos precedentes judiciais (em sentido estrito ou em sentido amplo) em diversas passagens, possuindo ainda vários outros dispositivos que, embora sem referência expressa, estão, uns mais outros menos, relacionados à temática. Seguindo a ordem do Código, pode-se relacionar, a título exemplificativo, os seguintes dispositivos: (i) art. 489, § 1º, V e VI; art. 926, caput e parágrafos; (ii) art. 927, caput, incisos e parágrafos; (iii) art. 928, incisos e parágrafo único; (iv) art. 932, IV e V; (v) art. 947 (que trata do incidente de assunção de competência); (vi) arts. 976 a 987 (que tratam do badalado incidente de resolução de demandas repetitivas); (vii) arts. 988 a 993 (que tratam da reclamação); (viii) arts. 1.039 a 1041 (que tratam do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos); e por aí vai.

Fugindo um pouco à ordem da lei, analisaremos hoje, resumidamente, o importante conjunto correspondente aos arts. 926 a 928 do NCPC.

Compondo as “disposições gerais” do título do NCPC que trata da “ordem dos processos e dos processos de competência originária dos tribunais”, o art. 926 deixa clara a preocupação do novo diploma na valorização do denominado “direito jurisprudencial”, ao afirmar, em seu caput, que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Para tanto, entre outras coisas, os tribunais, sempre na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados nos respectivos regimentos, “editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante” (§ 1º). Mas adverte o NCPC, para evitar erros do passado, com enunciados sumulares dissociados das decisões que os originaram, que, ao editar esses enunciados, “os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação” (§ 2º).

No que talvez seja o dispositivo mais importante da nova lei concernente à temática dos precedentes, o NCPC, no seu art. 927, determina que: “Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”.

Aqui, antes de mais nada, relaciona o NCPC os precedentes, em sentido estrito ou lato, que serão de seguimento obrigatório. Interessantemente, relacionando os precedentes que serão vinculantes, o NCPC nos mantém essencialmente vinculados à tradição do “civil law”, em que, como regra, os precedentes, sem qualquer outra qualificação que os torne vinculantes, continuam sendo meramente persuasivos. No mais, segundo o § 1º do mesmo artigo, juízes e tribunais, quando decidirem com fundamento nesse artigo, deverão observar o disposto nos arts. 10 (que impõe o contraditório sobre a matéria a ser decida) e 489, § 1º (que será comentado em outra oportunidade), do novo diploma legal.

O extenso art. 927 do NCPC contém ainda três disposições relativas à criação de enunciados de súmulas e ao julgamento de casos repetitivos. Conforme o seu § 2º, “a alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese”. Tem-se aqui a permissão da participação do chamado “amicus curie”. Ademais, é assegurado expressamente, em caso de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, “a modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica” (§ 3º). Determina ainda o § 4o do mesmo artigo que “a modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”. Por fim, embora maneira uma tanto descolada, o § 5º do mesmo artigo traz uma mais que salutar preocupação com a acessibilidade aos precedentes judiciais, determinando o NCPC que “os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores”.

Por derradeiro, para os fins do NCPC, o seu art. 928 considera como julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em incidente de resolução de demandas repetitivas e recursos extraordinário e especial repetitivos, podendo esse julgamento ter por objeto questão de direito material ou processual. Registre-se que o IRDR está disciplinado nos arts. 976 a 987 e o julgamento dos RE e Resp repetitivos nos arts. 1.039 a 1.041, todos do NCPC.
Esses institutos, aliás, serão objeto de nossas conversas. Mas em outra oportunidade.

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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