POR ACASO, SERIA A SÍNDROME DE PETER PAN? – Flávia Arruda

POR ACASO, SERIA A SÍNDROME DE PETER PAN? –

Dizem por aí que um problema dividido é um problema pela metade. Balela! Claramente, quem cunhou essa frase nunca dividiu a conta do restaurante com um amigo mão-de-vaca, nem tentou conciliar os horários da família para um simples almoço de domingo. Se fosse assim tão fácil, o mundo seria um mar de tranquilidade, e não essa panela de pressão apitando histericamente.

Ah, a doce ilusão de que um problema dividido é um problema ao meio. Se isso fosse verdade, eu estaria agora em uma rede, bebendo uma água de coco e lendo um livro sem ser interrompida a cada cinco minutos. Mas a realidade é que dividir problemas com filhos adultos que ainda moram em casa é como tentar dividir uma pizza entre formigas: você fica com uma fatia minúscula e elas espalham farelos por toda a casa.

No trabalho, a máxima até que se aplica, mais ou menos. Aquele projeto que exige muita concentração e café frio é dividido entre a equipe, e, para minha sorte, cada um entrega sua parte (com alguns atrasos e reclamações, claro). Mas quando volto para casa… a história muda drasticamente.

A dinâmica de dividir tarefas com filhos adultos que ainda dividem o teto comigo é um mistério indecifrável. Teoricamente, eles já deveriam ter aprendido a lavar uma louça- sem deixar restos de comida grudados no fundo da pia, ou a estender uma roupa sem parecer que uma bomba explodiu no varal – já seria de muita ajuda se, pelo menos, tirassem do varal, quando eu mesma estendo. Mas, na prática, a realidade é bem diferente.

Tento dividir as responsabilidades da casa de forma democrática: “Filhos, um lava a louça, o outro recolhe o lixo, o outro… bem, o outro podia pelo menos dobrar as próprias roupas ou regar as plantas, né?”. A resposta que recebo varia entre o silêncio ensurdecedor e a promessa vaga de “depois eu faço”. E o “depois” deles parece ter uma escala temporal própria, que se estende indefinidamente no universo.

Outro dia, precisei de ajuda para organizar uma faxina. Dividi as tarefas: “Um ajuda lavando a área externa, o outro varre a casa, o outro lava o banheiro…”. Resultado: os amigos foram chegando o trabalho foi ficando para depois, e eu terminei fazendo quase todo o trabalho sozinha, enquanto eles se distraíam numa improvisada reunião regada a cerveja e bom papo. Dividir para facilitar? Só se for para facilitar a minha entrada em um spa de reabilitação para mães exaustas.

E nem vamos entrar no mérito dos problemas financeiros. A famosa divisão das contas da casa… Dividimos o aluguel, a luz, a internet… Teoricamente. Na prática, eu continuo sendo a principal provedora, enquanto eles prometem “mês que vem eu começo a pagar certinho”. E o “mês que vem” deles parece ter o mesmo prazo indefinido do “depois eu faço”.

A verdade é que, na minha realidade, dividir um problema com filhos adultos que ainda moram em casa quase sempre resulta em um aumento exponencial do problema original. A louça suja se acumula na pia, o lixo transborda, a casa vira um caos e eu me sinto cada vez mais como uma equilibrista de pratos, tentando manter tudo em ordem enquanto eles assistem ao show de camarote. Rapadura é doce, mas não é mole!

Então, da próxima vez que alguém me disser que um problema dividido é um problema pela metade, vou sorrir com a sabedoria de quem vive essa realidade e pensar: “Meu caro, você nunca tentou dividir a organização da vida adulta com quem ainda não se decidiu a sair da casa dos pais. Se soubesse a saga que é, entenderia que, às vezes, dividir um problema é como tentar dividir um cobertor numa noite fria: você acaba ficando com um pedacinho minúsculo e ainda passa frio.” E, convenhamos, um pedacinho de cobertor não resolve a pilha de roupa para lavar, nem as plantas secas, nem a sensação de que estou criando filhos adultos para o mundo, enquanto eles continuam vivendo no meu mundo. No final, aumenta a minha vontade de fugir para uma ilha deserta, deitada em uma rede, bebendo uma água de coco e lendo um livro sem ser interrompida a cada cinco minutos e deixar que eles resolvam seus próprios problemas – sozinhos. Mas, cadê a coragem?

 

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora dos livros As Esquinas da minha Existência e As Flávias que Habitam em Mim e crônicasflaviaarruda@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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