PONTO DE VISTA DE ALFREDO BERTINI

Entre o estéril e o histérico, a educação imerge junto à tragédia da pandemia – 

Por mais que seja um fervoroso defensor de uma “utopia realista”, que possa estar bem ajustada à pluralidade étnico-cultural brasileira. Por mais que me autodefina como um economista afinado com o pragmatismo moderado, nas análises de uma conjuntura nacional de costumeira instabilidade. Por mais que entenda que esses pressupostos possam contribuir para um projeto necessário de desenvolvimento sustentável e integrador. Toda essa esperança termina por me proporcionar uma brutal decepção, sobretudo, quando algo expõe a educação brasileira à mesmice da inoperância.

De fato, o tema é fértil e costuma ser pródigo nos nuances prioritários de qualquer discurso, independente das ideologias e dos políticos. Só que esse enredo de uma “balada épica” salvadora sempre se traduz pelo estilo mais trágico do gênero operístico. Passam-se alianças, campanhas, eleições e governos, mas os resultados por uma educação transformadora, quando não são pífios, nada têm a agregar.

E olha que tivemos à frente das políticas públicas nomes inquestionáveis, que lutaram sós diante uma resistência contraditória. Creio que esse imobilismo tem sido fruto da falta de um pacto de autoridade e liderança, suficiente para reunir alguma unidade de pensamento em torno da educação. Daí romper com certas forças estranhas que, na forma daquela resiliência, terminam por exercer práticas antagônicas.

Assumo aqui igual devoção por um compromisso obsessivo, conforme defendem hoje nomes como Cristovam Buarque e Eduardo Giannetti, no rastro do pensamento de outros tantos que fizeram história nesse engajamento educacional. Entendo que somente a ignorância é quem está comprometida com a tese de que a educação não possa ser prioridade. Acontece que, somente no Brasil, esse destaque que consagra a relevância da prioridade, de fato não se revela exequível. Há algo invisível, uma espécie de “Sobrenatural de Almeida” em atuação, numa feliz comparação com aquele personagem de Nelson Rodrigues, responsável por tudo de errado que acontecia com seu time de futebol.

No caso da educação brasileira, o “Sr. Sobrenatural de Almeida” reaparece firme e forte, mas envolto em três situações problemáticas, que merecem ser vistas como responsáveis pela inércia que cerca os frágeis resultados alcançados. Assim, esses problemas são agrupados na seguinte ordem: 1) a conceitual: 2) a distributiva; e, 3) a métrica.

A questão conceitual envolve a clássica definição de prioridades, posto que a aposta necessária pela educação básica termina por ser negligenciada, haja vista o aporte de recursos para o ensino superior. A segunda questão exponencia a fórmula predatória de fazer chegar em quem mais necessita os recursos da educação, submetidos à burocracia e à corrupção. Por fim, o desprezo pela prática de mensuração dos resultados, de submeter o sistema educacional a avaliações periódicas.

Por nada disso acontecer a contento e ainda diante de uma pandemia, meu trauma se tornou maior ao tomar conhecimento relatório recém-publicado pela UNICEF. Em 2020, o Brasil falhou feio no quesito da garantia de educação para 5 milhões de crianças e adolescentes. Um registro que consagra a pior situação em duas décadas. Na faixa dos 6 aos 17 anos, cerca de 80% não tiveram acesso ao ensino remoto. Para piorar, este é um contexto que expõe ainda mais pretos e pobres ao martírio da desigualdade.

Esses números ratificam algumas tendências parecidas pescadas pelo IBGE. Para o caso das crianças e adolescentes inseridos na categoria baixa renda (até 0,5 salário mínimo), o órgão estimou que são quase 17% as que não tiveram qualquer acesso à educação em 2020. Na faixa de renda subsequente, esse percentual vai a mais 4% sem educação.

Não obstante a dureza da pandemia em si, eis outra tragédia que reflete o descaso com o planejamento público e com a causa da educação. Justo esta que deveria ser o núcleo referencial de um plano de recuperação. Mas, o que foi apresentado em resposta pelo Governo foram os cortes orçamentários e uma completa falta de percepção para duas ações emergenciais prudentemente cabíveis: a retomada gradual do ensino presencial e a nova estratégia de combate contra a retomada absurda da evasão escolar.

Entre papos estéreis e defesas histéricas, a educação brasileira parece ratificar que a tese defensável é sempre simples. Duro mesmo é o desafio de fazê-la inspiração para mudar e implantar.

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco e colunista da Folha de PE

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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