Equívocos no Afeganistão –

Quando os EUA invadiram o Iraque, em 2013, para depor o ditador Saddam Hussein os assessores de George Bush, para o Oriente Médio, fizeram uma avaliação equivocada sobre o conflito. Em duas dimensões. A primeira foi acreditar que assim como os EUA haviam contribuído para que a Alemanha nazista e o Japão imperial se transformassem em sólidas democracias, o mesmo poderia ser feito como regime iraquiano. Tudo seria uma questão de desenho institucional apropriado. Ledo engano. Antes de se construir um sistema democrático de poder faz-se necessário a existência de um estado funcional. O estado afegão era, nitidamente, corrupto. Favorecia uma minoria.

A comunidade rural pashtun (maioria étnica da população afegã) reduto do poder do Talibã, nunca foi contemplada pelas benesses do poder norte-americano. Erro capital.

Tanto o Japão como a Alemanha possuíam estados firmes com sólidas burocracias que tocavam as máquinas do poder autoritário Já o Iraque era um estado falido, e a “construção de uma nação” (“nation building”) é um processo muito mais complexo e demorado. Afora isto, a questão cultural foi menosprezada como se os iraquianos estivessem dispostos a seguir os valores da democracia liberal ocidental. De última hora, os EUA contrataram antropologistas com o intuído de ajudar a conquistar os corações e mentes da população local. Como lembrou o ex-chanceler alemão Konrad Adenauer, “a história é a soma de tudo aquilo que podia ter sido evitado”.

Os mesmos erros poderiam ter sido evitados no Afeganistão, contudo, não o foram. E apesar de investir trilhões de dólares e arcar com perdas em vidas humanas, os EUA ignoraram equívocos anteriores. Tentaram uma guerra de longa duração. Para isto, treinaram a polícia e os militares afegãos para que pudessem defender o governo fantoche afegão, assim que os EUA partissem de lá. O entusiasmo era tão grande com este modelo americano que o então secretário de estado, John Kerry, propôs, em 2013, ao então primeiro-ministro de Israel, Benjamin “Bibi” Netanyahu, uma ida secreta ao Afeganistão para conhecer tal projeto de segurança. Kerry queria convencer Bibi que o mesmo modelo poderia ser aplicado aos palestinos caso Israel concordasse em sair da Cisjordânia (Judéia e Samaria). A proposta foi, prontamente, recusada por “Bibi” e ele vaticinou que o estado afegão colapsaria tão logo os EUA retirassem suas tropas. Bingo. Também disse que o Afeganistão voltaria a ser um santuário para os terroristas. Isto falta ser comprovado. Tudo indica que “Bibi” acertará em seu segundo vaticínio.

 

 

Originalmente publicado em O PODER,( 24/8/21)

 

 

 

 

 

Jorge Zaverucha – Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco

 

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,1030 DÓLAR TURISMO: R$ 5,3290 EURO: R$ 5,5440 LIBRA: R$ 6,4950 PESO…

23 horas ago

Doações de leite humano beneficiam mais de 8 mil recém-nascidos no RN; saiba como doar

A cada ano, 340 mil bebês brasileiros nascem prematuros ou com baixo peso, de acordo…

23 horas ago

Prazo de renegociação do Desenrola Brasil acaba nesta segunda

Os devedores de até R$ 20 mil que ganhem até dois salários mínimos ou sejam…

23 horas ago

Homem morre após colisão frontal de carros na BR-304, no RN

Um homem morreu e outro ficou ferido após colisão frontal entre dois carros na BR-304,…

23 horas ago

Prazo de renegociação do Desenrola Brasil acaba nesta segunda

Os devedores de até R$ 20 mil que ganhem até dois salários mínimos ou sejam…

23 horas ago

Programa de apoio ao etnodesenvolvimento começará em junho

Após anunciar o Programa de Apoio e Fortalecimento ao Etnodesenvolvimento (Pafe) durante o 2º Ato…

23 horas ago

This website uses cookies.