OS FEIJÕES – 

Dona Francisca chegara aos setenta anos, gozando de boa saúde, até que nos seus exames de rotina foi descoberto que ela estava com insuficiência no pâncreas e com um quadro de diabetes do tipo 2. Querida por todos, viúva, morava sozinha na sua casa em Parnamirim, RN. Como tinha cinco filhos e vários netos, a casa de Dona Francisca vivia cheia de gente, principalmente nas horas de refeições. Não tinha como não ser! Seu arroz bem temperado, e seu saboroso feijãozinho, eram imperdíveis. No jantar, era prato certo a gostosíssima sopa de feijão.

Aliás, a viúva tinha fixação em feijão. Para ela, era um alimento sagrado, e era o que dava sustança. Era a alma da alimentação. Sem feijão na mesa, o almoço perdia a graça. Por isso, o feijão era presença diária em sua mesa. A mulher gostava de toda espécie de feijão, e quando fazia feira, era a primeira coisa que colocava no carrinho de compras.

Dona Francisca colecionava potes plásticos. Era muito organizada e tudo dela tinha etiqueta. Fazia questão de marcar todos os potes do freezer e pôr a data. Sua distração em casa era cozinhar feijão e congelar, usando para isso, de preferência, potes vazios de sorvete “Kibon”. Os demais potes que ela colecionava eram todos identificados: Café, arroz, açúcar, farinha de trigo, farinha de rosca, farinha de mandioca, amido de milho,  farinha de linhaça, tudo bonitinho e arrumadinho no seu armário de cozinha. A mulher era mais organizada do que o partido comunista de antigamente.

Com a vinda do diabetes, ela, imediatamente, cortou o açúcar e passou a tomar adoçante em gotas. O açúcar de cana refinado era usado pelos filhos e netos. Muito regrada, Dona Francisca aboliu da sua vida o consumo de açúcar, doce, bolo e refrigerante. Quando ia às festinhas de aniversário, comia um negocinho, uma besteirinha, acompanhado de refrigerante “diet”, e pronto. Não aceitava docinhos e bolos, alegando que era diabética e que precisava dar bom exemplo aos filhos e aos netos. Mesmo assim, uma vez por outra, Dona Francisca passava mal e ligava para um dos filhos, que a levava ao Pronto-Socorro.

O que ninguém entendia era por que a glicose de Dona Francisca estava sempre muito alta. Fazia o teste de glicemia capilar e sempre dava acima de 280 mg/dl (o normal é de 80 a 120 mg/dl). Os filhos da viúva sempre explicavam aos médicos:

– Doutor, não é possível! Minha mãe não come muito, é regrada, usa adoçante, não come doces, e procura se alimentar direito. Não faz extravagância nenhuma!

E Dona Francisca retrucava também:

– É verdade, sim! Esses remédios são umas porcarias! Tudo feito de farinha de trigo!!! Eu tomava somente um. Agora, tomo três remédios! Não adianta nada. Esses laboratórios não prestam!

E assim, Dona Francisca ligava sempre para os filhos ou para os netos, e corriam todos para o hospital, levando a idosa, que passava mal. Quando tudo se restabelecia, voltavam para casa. Era a hora de servir aquela deliciosa sopa de feijão, que Dona Francisca havia feito com muito carinho.

Num certo dia, para tristeza de toda a família, Dona Francisca foi encontrada caída na sala, ofegante e desacordada. Foi um alvoroço só. A faxineira, que acabara de chegar, entrou em parafuso!!! Gritou, ligou para os filhos da patroa, correu, sacolejou a velha, jogou água no seu rosto, pôs um algodão com álcool no seu nariz para que ela aspirasse, e, por fim, chamou o SAMU.

A ambulância do Samu chegou e levou Dona Francisca para o hospital. Infelizmente, Dona Francisca chegou em coma, indo direto para a CTI, onde foi entubada. De acordo com os resultados dos exames, a glicose de Dona Francisca estava bastante alta. Após alguns dias, Dona Francisca foi a óbito, tendo coma causa mortis “falência dos rins, em consequência do coma diabético”.

No dia do enterro, era uma tristeza só. Filhos e netos desolados, lamentavam a perda daquela pessoa querida. Tão boa, tão atenciosa, cozinhava tão bem! Ninguém jamais iria esquecer das suas deliciosas sopas de feijão e das saborosas feijoadas, saladas e tudo o mais. Estavam todos sem entender, como é que a avó, que tomava a medicação própria para diabetes, não comia doces, usava adoçante, e era moderada para comer, terminara morrendo de um coma diabético. Após o enterro, decidiram que, por enquanto, nada seria mexido na casa da falecida.

Passadas algumas semanas, as três filhas de Dona Francisca resolveram arrumar as coisas e também se desfazer das suas roupas pessoais, e outros objetos. Após a arrumação do quarto da pranteada, as duas filhas de Dona Francisca passaram a arrumar a cozinha. Chegaram até o freezer e lá encontraram os potes etiquetados, impecavelmente distribuídos. Estranharam a variedade de feijões ali congelados, com os respectivos nomes registrados. Estranharam também nomes de feijão, totalmente desconhecidos para elas. Era tudo “lançamento”!!! Ali estavam os potes de feijão, assim distribuídos:

Na frente, estavam os potes com os feijões tradicionais, que elas conheciam:

Feijão branco, feijão preto, feijão carioquinha, feijão vermelho, fava, fava rajada “dos deuses”, feijão enxofre, feijão cavalo branco, feijão macassar.

Mais atrás, estavam outros potes, com “lançamentos” de feijões:

-1- Feijão de GRAVIOLA; 2-Feijão NAPOLITANO; 3-Feijão de FLOCOS; 4-Feijão de CHOCOLATE; 5- Feijão de CREME; 6- Feijão de PASSAS AO RUM; 7- feijão de ABACAXI; 8- Feijão de MORANGO; 9- feijão de CUPUAÇU; 10- feijão de BAUNILHA; 11 – feijão de COCO; 12 – feijão de CREME COM NOZES, ;13 – feijão de MILHO VERDE e outros.

E as três filhas de Dona Francisca foram abrindo pote por pote, até que constataram que ali somente havia sorvete, e nada de feijão! Estava claro o motivo do descontrole glicêmico de Dona Francisca, e o coma diabético que a vitimou. A causa mortis de Dona Francisca, na realidade, foi provocada por excesso de sorvete, disfarçado de feijão. A mulher entrou em coma diabético, porque diariamente, tomava potes e mais potes de sorvete!!!

A família não sabia se sorrisse ou se chorasse!!! Afinal, a matriarca tinha sido muito feliz, comendo seu feijão diariamente e tomando o seu sorvete, o que, para ela, era sagrado!!!

Violante PimentelEscritora

 

Ponto de Vista

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