O TREM DA VIDA – Heraldo Palmeira

O TREM DA VIDA – 

Auschwitz não me saiu da cabeça durante toda a viagem de Praga até Viena.

O barulho metálico do atrito das rodas do meu trem me colocou novamente diante daquele vagão solitário que permanece gritando nos trilhos do campo de Auschwitz II-Birkenau. Retrato de incontáveis trens da morte que terminaram a viagem ali, lotados, trazendo pessoas diretamente para as malditas câmaras de gás.

Depois daquela visita, a minha vida jamais será a mesma. Ali eu me deparei com a capacidade que o ser humano tem de ser mau, impiedoso, cruel, insano. E me amparei na oração dedicada à memória dos cerca de 1,3 milhão de inocentes barbaramente eliminados pelos nazistas naquele ambiente tenebroso.

Desembarquei pensativo em Viena. A cidade estava linda como sempre, ainda mais quando enfeitada daquele jeito para o Natal.

Os músicos da orquestra subiram impecáveis ao palco. Eu não imaginei que conseguiria me emocionar novamente ao som da vulgarizada Jingle Bells, mas não lembro de ter ouvido outra versão tão espetacular. E seguiu-se o repertório dedicado a Mozart e Strauss.

Danúbio Azul foi uma apoteose, adornada pelo casal de bailarinos que flutuou sobre o palco. Era como se estivesse vivenciando o ambiente das cortes, que tantos filmes mostraram tantas vezes. E quando a orquestra tocou uma versão inigualável de Noite Feliz, minhas lágrimas não foram só por mim.

Desceram por todos os perseguidos, aprisionados injustamente e mortos de forma implacável. Desceram pelos que sofrem hoje as mazelas humanas que ainda parecem invencíveis, no meu país e em tantos lugares do mundo dito civilizado.

Desceram pelas dores e alegrias marcadas no meu rosto, pelos que ficaram pela estrada e pelas estradas em que fiquei, pelas pessoas que amei e se foram para onde não posso ver, pelos amores que perdi.

Desceram pela minha sorte de estar na Cidade da Música vendo a música tratada daquela maneira tão preciosa, soando como um bálsamo, um conforto.

Desceram pela nossa incapacidade de viver o Natal como o nascimento de um menino que veio diretamente de Deus e nós só tivemos a capacidade de pregá-lo numa cruz.

Eu já ouvi que “O Natal é uma atitude”. Tomemos a nossa, como se fosse nosso presente. Afinal, mesmo que as cenas do mundo nos informem que ele sempre será desigual, tudo pode ser muito melhor se a gente realmente quiser.

Inclua em suas orações de hoje uma prece pelo mundo. Que cada um tenha a sorte de ouvir uma versão de Noite Feliz como aquela que ouvi ontem. Que sua noite de hoje seja feliz.

Desejo a todos um Feliz Natal e um Feliz Ano Novo.

Viena, Natal de 2017

Heraldo Palmeira – Produtor Cultural

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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