O STF E A CONSCIÊNCIA DE SUA MISSÃO – Tomislav R. Femenick

O STF E A CONSCIÊNCIA DE SUA MISSÃO –

Muitos são os estudos efetuados sobre a Justiça, seu funcionamento e, principalmente, estrutura livre de qualquer ingerência que a possa desvirtuar. Daí a razão do conceito de separação dos poderes do Estado, que a civilização ocidental herdou da Grécia Antiga. O tema foi abordado por Platão não com uma visão jurídica, mas de um ponto de vista ontológico, com uma abrangência mais larga. Para ele a justiça teria que desfrutar de plena liberdade para exercer seu dever.

O grande salto no conceito de separação dos poderes do Estado em três esferas distintas, porém funcionando harmonicamente, aconteceu com as teorias desenvolvidas pelo político, filósofo e escritor francês Montesquieu (Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, O Espírito das Leis, 1748). Sua proposta era que, em uma democracia, o legislativo estabelece as leis e fiscaliza o poder executivo; ao executivo cabe administrar ministérios, autarquias e demais órgãos envolvidos no atendimento à população; e ao judiciário compete dirimir conflitos de interesses da população e dos outros poderes. Hoje as ideias de Montesquieu balizam a estrutura e o comportamento da maioria das nações do mundo; embora algumas se camuflem para parecerem assim.

A consolidação do regime democrático, como o conhecemos hoje, deu-se com a Declaração de Independência e a Constituição dos Estados Unidos, de 1776 e 1787, respectivamente. A primeira reconhece que “todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos direitos inalienáveis, entre os quais se contam a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. A segunda afirma que “a fim de […] garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição”.

Belas palavras que, no entanto, levaram quase duzentos anos para serem reconhecidas como verdadeiras.

Em 1857 Roger B. Taney, então presidente da Suprema Corte norte-americana, em voto decisivo sobre uma questão em trâmite naquela corte afirmou: “A questão […] resume-se em saber se […] escravos […] são membros constituintes da soberania. Somos de parecer que o não são, e não foram incluídas pela Constituição, nem havia intenção de inclui-las, na palavra ‘cidadão’ […]. Na opinião do tribunal, a legislação e as histórias dos tempos, e a linguagem usada na Declaração da Independência mostram que, nem a classe de pessoas importadas como escravos, nem seus descendentes, forros ou não, eram então reconhecidos como parte do povo”. Constata-se, pois, que certos juízes fazem contorções semânticas para amoldar as leis às suas singularidades ou interesses. Só em 1964 é que a igualdade entre pretos e brancos foi reconhecida pela legislação estadunidense, com a promulgação da Lei dos Direitos Civis (SYRETT, 1980).

Aqui no Brasil o proceder não é diferente. A nossa Constituição estabelece que “o Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos […] de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Perguntas nunca respondidas: qual o notório saber jurídico de um cidadão que não consegue – por duas vezes – passar em concurso para juiz de primeira instância e hoje preside a nossa Suprema Corte?  Que reputação ilibada tem o cidadão que usa seu cargo de ministro do STF para conseguir vultosas verbas de patrocínio para uma empresa de sua propriedade e que manda soltar pessoas de sua amizade e convívio íntimo? Há outras, mas estas chegam.

A ministra Rosa Weber, em seu voto sobre a prisão em segunda estância, afirmou que “a presunção de inocência […], não pode ser lida pela metade”. No entanto, Dilma Rousseff sofreu impeachment e não perdeu os direitos políticos, como prever a Constituição Federal. Só valeu metade da Constituição?

Parafraseando o filosofo e historiador francês Jules Michelet, parece que suas excelências perderam a consciência de sua missão. Só um egocentrismo exacerbado explica tal situação.

Tribuna do Norte. Natal, 30 out. 2019

 

 

Tomislav R. Femenick – Mestre em economia com extensão em sociologia. Do Instituto Histórico e Geográfico do RN

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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