O SERESTEIRO –

Manuel era um homem muito pobre, negro e inofensivo, que gostava de cantar, sozinho, no silêncio da noite, quando caminhava de volta para o seu barraco.
Normalmente triste e dono de uma bonita voz, quando bebia, Manuel mudava o humor e se transformava num grande seresteiro solitário. Só cantava músicas românticas, e entre uma frase e outra, às vezes, protestava contra a sociedade em que vivia, na qual, os ricos eram cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. E era aí que ele se enquadrava.
Manuel fazia biscates, mas às vezes se via obrigado a mendigar. Era gentil e muito grato às pessoas que o ajudavam e lhe arranjavam biscates. À medida que a noite ia chegando, ele sentia o peso da penúria em que vivia, sua solidão e a falta de perspectiva de melhorar de vida. Pobre, sem estudo e sem família, Manuel, quando não encontrava quem lhe pagasse bebida, logo cedo voltava para o barraco em que vivia, fechava a porta, e se entregava aos seus pensamentos, até adormecer.

Certa noite, já muito tarde, depois de se despedir de um amigo que lhe pagara alguma bebida, Manuel parou na sua praça preferida, em frente à belíssima mansão de um importante político, e ficou a admirá-la. Na sua embriaguez, gostava de apreciar aquela obra de arte, talvez, pensando até que fosse sua, como diz a música “Até Pensei”, de Chico Buarque.

Nessa noite, muito inspirado, ao parar na praça, Manuel começou a cantar “Noite Cheia de Estrelas” (Vicente Celestino – 1931) para a sua musa imaginária, que diz:

“Noite alta, céu risonho
A quietude é quase um sonho…………………………………………………………………………………………
…………………………………………………………………………………………………………………………………..

Lua, manda tua luz prateada despertar a minha amada! Quero matar os meus desejos…Sufocá-la com meus beijos………”

O “seresteiro” fez uma pausa, sorriu e disse alguns impropérios, sempre revoltado. Nesse ínterim, um homem rico que morava perto da mansão, que não passava necessidade nenhuma e que não tinha tolerância com ninguém, muito menos com os pobres, chamou a polícia, alegando que o mendigo estava desrespeitando os moradores.
Sem perceber a chegada da polícia, que jamais entenderia o sonho de um pobre e solitário seresteiro, Manuel, o mendigo, foi agarrado por trás e derrubado por um policial de tamanho avantajado. O homem o imobilizou, colocando seu pesado joelho sobre o pescoço do mendigo, impedindo a sua respiração e sufocando-o. Enquanto isso, mais dois policiais o algemaram. O mendigo foi levado pela viatura policial, já morto por asfixia.

Manuel, o pobre seresteiro solitário, das noites desertas da sua triste vida, foi levado na viatura policial, com o seu corpo inerte, enquanto sua alma ainda cantava, subindo para o Céu.

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,1130 DÓLAR TURISMO: R$ 5,2810 EURO: R$ 5,5570 LIBRA: R$ 6,4920 PESO…

22 horas ago

Órgãos não têm como chegar ao RS e até 2,7 mil pessoas podem ficar sem transplantes

As inundações que atingiram o Rio Grande do Sul nas últimas três semanas tiraram, temporariamente, o…

23 horas ago

Caixa começa a pagar Bolsa Família de maio

A Caixa Econômica Federal começa a pagar a parcela de maio do novo Bolsa Família.…

23 horas ago

Brasil comemora retirada de Cuba da lista dos EUA sobre terrorismo

O Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil comemorou, em nota publicada nessa quinta-feira (16),…

23 horas ago

Taxa de alfabetização chega a 93% da população brasileira, revela IBGE

No Brasil, das 163 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 15 anos,…

23 horas ago

Dupla é flagrada fazendo manobras arriscadas com quadriciclo na BR-101

Duas pessoas foram flagradas fazendo manobras arriscadas com um quadriciclo na BR-101, na altura de…

23 horas ago

This website uses cookies.