O RESULTADO DA INTERPRETAÇÃO – Marcelo Alves Dias de Souza

 

O RESULTADO DA INTERPRETAÇÃO –

A interpretação jurídica – assunto que venho tratando em alguns artigos publicados recentemente aqui – pode ser também classificada levando em consideração o seu resultado, já que, embora a regra seja a interpretação ficar adstrita ao que está expressamente declarado no preceito legal interpretado, ao produto da interpretação muitas vezes é dado, por exemplo a partir do uso do método de interpretação lógico, levando em consideração a intenção do legislador (corrente subjetivista) ou da lei (corrente objetivista), uma menor ou maior amplitude se comparado à literalidade da norma. Fala-se, assim, de interpretação declarativa ou literal (também chamada de gramatical), interpretação restritiva e interpretação extensiva. Mas devem ser referidas também a interpretação analógica (que não se confunde com a analogia, forma de integração do direito) e a interpretação ab-rogante.

Tratando da interpretação de resultado “declarativo” ou “literal” (também chamada de gramatical), nos ensina Francesco Ferrara (“Interpretação e aplicação das leis”, tradução de Manuel A. D. de Andrade, Arménio Amado Editor Sucessor, 1963): “Antes de mais pode dar-se que o sentido da lei, tal como resulta da interpretação lógica, seja perfeitamente congruente com o que as palavras da lei exprimem, que haja perfeita correspondência entre as palavras e o pensamento da lei. Neste caso a interpretação lógica não faz mais do que confirmar e valorizar a explicação literal”.

Entretanto, frequentemente, a partir do correto uso dos vários métodos de interpretação do direito (como, por exemplo, dos métodos lógico, sociológico ou teleológico), enxerga-se que o sentido literal e a intenção da lei não coincidem. Em outras palavras, há uma desconformidade entre a letra e o “pensamento” da lei, e a correta interpretação resulta em um outro sentido que não é aquele que em princípio transparece do texto legal.

Constatada essa descoincidência, diz-se, e aqui faço uso das palavras de Glauco Barreira Magalhães Filho (em seu “Curso de hermenêutica jurídica”, Editora Atlas, 2013), que a interpretação é “restritiva” quando “a letra da lei é mais ampla que o espírito da lei, havendo a necessidade de o aplicador do Direito restringir o alcance das palavras contidas no texto normativo. Aqui, a interpretação gramatical chega a um resultado mais amplo do que aquele que provém da utilização de outras técnicas de interpretação. Do ponto de vista subjetivista, diz-se que o legislador se expressou em palavras, dizendo mais do que era sua intenção fazê-lo”.

Já a interpretação “extensiva”, ao contrário, destina-se a corrigir uma formulação “estreita” do legislador. Francesco Ferrara nos explica este ponto com alguns exemplos: “O legislador, exprimindo o seu pensamento, introduz um elemento que designa espécie, quando queria aludir ao gênero, ou formula para um caso singular um conceito que deve valer para toda uma categoria. Assim: fala-se de homens, quando é certo que devem reputar-se abrangidas também as mulheres; fala-se de doação, e devem julgar-se compreendidas todas as aquisições gratuitas, ainda que mortis causa; diz-se alienação, e quer-se contemplar igualmente a concessão de direitos reais de gozo ou de hipotecas; enuncia-se um princípio em tema de contratos, e pretende-se que valha também para os testamentos, etc.”.

Um caso especial de interpretação extensiva é a chamada interpretação “analógica”, em que, partindo e sempre dentro do texto do preceito legal interpretado, que combina hipóteses específicas com uma fórmula genérica – como, por exemplo, o art. 28, II, do nosso Código Penal, que fala em “álcool e substâncias análogas” –, o intérprete, fazendo uma espécie de analogia “intra legem”, infere novas categorias (análogas, claro) a partir daquelas que já foram especificadas.

Não devemos, assim, confundir a interpretação extensiva ou mesmo a chamada interpretação analógica com a “analogia”. As duas primeiras são espécies/resultados de interpretação; a analogia é um meio de integração do ordenamento jurídico. Tanto a interpretação extensiva como a analógica partem e trabalham dentro do preceito legal interpretado; a analogia tem como pressuposto a inexistência de uma norma para a hipótese dada. As interpretações extensiva e analógica resolvem problemas de inexatidão ou insuficiência verbal; a analogia busca corrigir uma lacuna no ordenamento jurídico.

Por derradeiro, temos ainda a interpretação “ab-rogante” quando, fazendo uso sobretudo do método sistemático (também chamado de lógico-sistemático), chega-se ao resultado extremo de negar vigência a uma disposição ou diploma legal, por ter sido ele expressamente revogado ou ser incompatível com outra norma de mesma hierarquia (como uma lei posterior ou especial) ou de hierarquia superior (como no caso de uma lei ordinária em relação à Constituição).

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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