O JULGAMENTO DE OSCAR WILDE – Marcelo Alves Dias de Souza

O JULGAMENTO DE OSCAR WILDE –
Já de algum tempo sou fã das comédias teatrais de Oscar Wilde (1854-1900). Coincidentemente, nesta semana, uma notícia que vi na Web me levou a ele: a crescente perseguição a homossexuais em Uganda, onde a prática do homossexualismo é castigada com pena de morte. Aliás, curioso, dei uma pesquisada e vi que ao homossexualismo é atribuída pena de morte em pelo menos mais cinco países: Mauritânia, Arábia Saudita, Sudão, Irã e Iêmen. No mesmo caminho, vão dois outros países: Nigéria e Somália. Isso sem falar que mais de 70 países ainda consideram como crime o homossexualismo, com punições que vão desde chibatadas à prisão. Juntando uma coisa com a outra, lembrei que é de Oscar Wilde, certamente, o mais famoso julgamento pelo “crime” de homossexualismo.
O fato é que Wilde, o grande conversador e dândi da Londres de fins do século XIX, está entre os mais lidos e traduzidos escritores de língua inglesa de todos os tempos. Irlandês de Dublin, ele foi jornalista, poeta, contista, romancista e dramaturgo. As peças a que me referi são do seu grande período de fertilidade artística, os anos 1890, que condensa o melhor de sua obra: o romance “The Picture of Dorian Gray” (1890) e a série de comédias teatrais “Lady Windermere’s Fan” (1892), “A Woman of No Importance” (1893), “An Ideal Husband” (1895) e “The Importance of Being Earnest” (1895).
Entretanto, os anos 1890 marcam a vida de Wilde multiplamente. Em 1891, tem início sua desastrosa relação homossexual com Lord Alfred Douglas (ou Bosie, como Wilde o chamava), segundo seus biógrafos, o grande amor de sua vida, apesar da educação protestante e conservadora do escritor (com passagens pelos prestigiosos Trinity College, Dublin University e Magdalen College, Oxford University) e de seu casamento com Constance Lloyd, com quem teve dois filhos.
Foi em 1895 que Oscar Wilde tomou a insensata decisão de processar criminalmente o pai de Bosie, o irascível Marquess of Queensberry (John Sholto Douglas), dando início a uma série de eventos que levariam ao seu próprio julgamento por homossexualismo. Nutrido pelo ódio, o Marquês perseguia e procurava destruir a reputação de Oscar Wilde, tachando-o de sodomita. Em princípio, Wilde, apesar de ofendido, não pretendia tomar quaisquer medidas legais contra o enfurecido Marquês. Mas, compelido por seu amante (e desatendendo à recomendação dos amigos), decidiu processar o Marquês por crime contra a honra. No auge do seu prestigio, Wilde foi apanhado numa armadilha. Por Bosie (ou sob a influência dele), abandonou a arte, para se dedicar a uma vendeta que, mais tarde, se voltaria contra ele. O Marquês estava preparado para a batalha. Contratou detetives e vasculhou a vida íntima do grande escritor. Reuniu provas contundentes em sua defesa e foi absolvido à unanimidade.
Kafkamente, como resultado, Oscar Wilde é levado à prisão, com fundamento, precisamente, nas provas produzidas em seu “desfavor” no julgamento do Marquess of Queensberry. Preso por um mês e tornado réu, antes mesmo do seu badalado julgamento (em Old Bailey, famosa sede das cortes criminais em Londres), ele teve sua insolvência civil declarada. O caso, na Inglaterra vitoriana de então, não poderia ter outro desfecho. Era a mentalidade de uma época, que processava Wilde por homossexualidade, mas, hipocritamente, por exemplo, fechava os olhos para a proliferação da prostituição, que era a principal causa de índices alarmantes de doenças venéreas e outros males da época. Wilde, agora no banco dos réus, segundo se conta, continuou a agir como se em sociedade ainda estivesse ou, talvez, como o Lord Goring, a personagem dândi e irônica de “An Ideal Husband”. Abandonado por Bosie (que, se fosse o caso de processar Wilde, deveria, como seu amante, ter sido processado também), pego em mentiras e com a vida íntima completamente exposta, o desempenho de Wilde, na solenidade das cortes vitorianas, foi desastroso. O veredicto: culpado. Pena: 2 anos de prisão, com trabalhos forçados.
Em dado momento, liberto sob fiança antes da sentença, Oscar Wilde foi aconselhado pelos amigos a fugir para o Continente. Preferiu ficar em Londres. As razões: orgulho, falta de recursos financeiros ou a paixão que ainda o ligava a Bosie? Em maio de 1895, é novamente preso. Após uma sucessão de transferências, finalmente chega à prisão de Reading, famoso porto de sua Ballad. Não foi abandonado por seus fiéis, mas impotentes amigos, com exceção, claro, de Bosie. As humilhações que passou, o horror da prisão em si, por ele descritos, podemos muito bem imaginar.
Cumprida a pena, foi liberto em maio de 1897, mas humilhado, falido e ceifado, até mesmo, do contato com os filhos. Para a outrora celebridade dos salões londrinos, após isso, apenas restou o autoexílio em Paris. Em 1900, aos 46 anos, convertido ao catolicismo (recebendo, em seu leito de morte, os sacramentos do Batismo e da Extrema-Unção), morre de meningite, talvez causada pela sífilis e certamente agravada pelo seu alcoolismo. Ainda hoje descansa no exílio, no Cemitério de Père Lachaise, em Paris.
Não tenho dúvida de que criminalizar o homossexualismo é, acima de tudo, dividir as pessoas entre boas e más, por razões estritamente morais (e sabemos como a moral flutua, no tempo e no espaço). Nesse contexto, Oscar Wilde, o grande frasista, tinha razão: “É absurdo dividir as pessoas em boas e más”. Para ele, “as pessoas ou são encantadoras ou são aborrecedoras”. Wilde, respeitadas as suas preferências, foi uma pessoa e, acima de tudo, um escritor encantador.

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

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