O ESPIÃO QUE SABIA ESCREVER – Marcelo Alves Dias de Souza

O ESPIÃO QUE SABIA ESCREVER –

​David John Moore Cornwell (1931-2020) nasceu pelas bandas condado de Dorset, no sul da Inglaterra. Estudou em Oxford e na Suíça. Foi professor em Eton. Foi diplomata e trabalhou para o serviço secreto do seu país. Talvez vocês o conheçam pela alcunha de John Le Carré, pois foi assim que este grande escritor, recém-falecido, ganhou o mundo.

​Na literatura do século XX para o XXI, Le Carré é um daqueles raros casos de bestsellers que realmente escreviam bem. Está acompanhado de gente como o inglês Graham Greene (1904-1991) e o australiano Morris West (1916-1999), sobre quem tratarei qualquer dia desses.

​Le Carré fez muito sucesso como escritor de romances de espionagem. Alguns de seus títulos no Brasil: “O espião que saiu do frio” (1963), “O espião que sabia demais” (1974), “A vingança de Smiley” (1979), protagonizados pelo espião George Smiley, que faz o tipo anti-herói, assim como “A garota do tambor” (1983), “A casa da Rússia” (1989), “O alfaiate do Panamá” (1996) e “O jardineiro fiel” (2001). Sua obra foi levada ao cinema com idêntico êxito.

​O sucesso de Le Carré, acredito, tem algumas explicações.

​Primeiramente, ele escrevia bem. Fato. Sem isso, o resto de nada adiantaria.

​Em segundo lugar, ele tinha imaginação. Nenhum ficcionista faz sucesso sem ter imaginação. Isso também é fato.

​Mas eu acho que o êxito de Le Carré deve-se também ao fato de ele escrever acerca daquilo que conhecia a fundo. Era o típico “sapateiro” que conversava sobre o seu métier, já que trabalhou durante anos para as agências do serviço secreto britânico, M15 e M16, até ser escritor em tempo integral.

​Tomemos o exemplo de “O espião que saiu do frio” (1963), que Donald McCormick, em “The Master Book of Spies” (Hodder Causton, 1973), aponta como um dos mais exitosos livros de sua época: “Era a estória de um agente britânico frustrado, que decide, após dois subordinados serem mortos na Alemanha Oriental, entrar na Cortina de Ferro para destruir a mente diabólica que tinha coordenado essas mortes e arruinado parte da sua rede de inteligência. No final, ele é brutalmente dispensado pelo seu próprio serviço secreto, é levado ao álcool e à miséria e, depois, à morte. Tão realístico foi esse livro de Le Carré, somado ao fato de haver sido publicado sob um pseudônimo – seu nome real era David Cornwell –, que isso levou os russos a alegarem em sua Literary Gazette que o seu autor era mesmo um agente da inteligência britânica”.

​O famoso pseudônimo, John Le Carré, aliás, decorre do simples fato de que agentes do MI5 e MI6 eram proibidos de publicar qualquer coisa com seus nomes verdadeiros, o que faz muito sentido em se tratando de um serviço supostamente “secreto”. É o mesmo McCormick que anota haver o próprio Le Carré “revelado sua verdadeira identidade, maliciosamente respondendo à lenda de que ele teria roubado o seu enredo de arquivos secretos datados de 1948, afirmando que, naquele ano: ‘Eu era um espião juvenil – 16 anos. Mas havia circunstâncias atenuantes. Eu sou também filho de Groucho Marx e Mata Hari!”.​

​De toda sorte, até hoje há quem se pergunte – eu me pergunto, confesso – se Le Carré retratou, em seus romances e nas peripécias do espião George Smiley, aquilo que viveu ou testemunhou como espião de verdade. Em parte, ao menos?

​Para mim, a morte de Le Carré – que sucedeu à de Sean Connery, o mais famoso dos James Bond – foi muito significante. Falecido em dezembro passado, aos 89 anos, de pneumonia não relacionada à Covid-19, ele foi talvez o único dos grandes escritores da minha juventude que, fazendo doutorado no Reino Unido (entre 2008 e 2012), alcancei ainda vivo por lá. Mas o tempo passa. Para todos. Inclusive para os Bonds e Smileys da vida e os seus criadores.

 

 

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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