HERÓIS SUBURBANOS –
O TROMBONE DE “LELÉ”
Era sempre no domingo de Carnaval. Em frente à casa do barbeiro Chefão, cruzando a linha do trem, ocupando o caminho que dava para as oficinas de tração da Estrada de Ferro, juntavam-se vizinhos, funcionários das oficinas, marinheiros do CIAT, papangus, caras-meladas, as moças, as nem-tanto, os meninos e tudo que era folião da Guarita.
Às nove ou dez horas, uma voz de comando chamava a batucada dos bumbos, dos taróis, dos tamborins de madeira e couro-de-gato. O samba cadenciado, marcante e envolvente dominava os ares e a turba, obediente e fiel, começava o desfile dos enxeridos, travestidos, moças de calças compridas e blusas de seda, mascarados, palhaços, índios e toda sorte das licenças do reinado-de-Momo. Desciam a Rua Sátiro Dias, engrossando o coro do samba:
“Aquele gato que não me deixava dormir
Aquele gato, agora me faz sorrir.
Às vezes saía bem da minha pedrada,
Pulava e dava risada
Fugia zombando de mim…
Aquele gato, não é mais gato
Hoje é tamborim.
Paciência, a vida é mesmo assim.
Fala couro-de-gato,
Fala meu tamborim…”
Ou puxando uma marchinha:
“As águas vão rolar
Garrafa cheia eu não quero ver sobrar
Eu passo a mão na saca, saca, saca-rolha
E bebo até me afogar
Deixa as águas rolar.
Se a polícia por isso me prender
Mas na última hora me soltar
Eu pego a saca, saca, saca-rolha
Ninguém me agarra, ninguém me agarra.”
Dobrando a esquina, subiam a Fonseca e Silva e passavam pelas Cinco Bocas, no rumo do Alecrim. Quem não acompanhava, ouvia sumir ao longe o batucar dos tambores, o rufar dos taróis, o ronca-ronca da cuíca. E do meio da banda, de sopro firme, liderando o corso, cobrindo tudo, o trombone de Lelé.
Uma tragédia levaria aquele músico querido. Nos anos oitenta, sempre animando bloco de carnaval, foi atropelado por um ônibus desgovernado, subindo a ladeira do Baldo. Morreram quase trinta foliões. Lelé e o seu trombone, também.
IRMÃO EPITÁCIO
Da casa de seu Epitácio, o que saía primeiro era a o som da radiola:
“Luz do mundo, Jesus Cristo
Vem, dissipa as ilusões,
Tira o véu dos nossos olhos,
Ilumina os corações
Para ver-Te, para ver-Te
Ouve os nossos corações”
Ali perto, todo mundo ouvia os hinos, admirados pela beleza da mensagem. Seu Epitácio, crente fervoroso da Assembleia de Deus, parecia querer encher o ar da Guarita com as potentes cornetadas da sua vitrola e das músicas que falavam de salvação e de amor cristão.
“Foi na cruz, foi na cruz
Onde, um dia, eu vi
Meu pecado castigado em Jesus…”
Depois, era o som da sua voz conciliadora, habituada na tarefa de comandar uma família onde só alguns eram crentes e seguidores da fé evangélica. Passava cumprimentando a todos, de maneira polida, o passo firme.
Houve um dia em que estávamos em dificuldades financeiras. Atento às queixas de mamãe, eu também sentia o problema e sofria. Na Capela de São José, incomodado, eu rezei por uma solução. Na homilia, o padre João falou sobre a providência divina; como Deus resolve os nossos problemas quando, às vezes, nem esperamos. No dia seguinte, meu pai chegou em casa com dinheiro. Disse que conseguira emprestado com seu Epitácio. Ele, um crente, um protestante, fora o canal da bênção anunciada por um padre católico. Nós nem sempre entendemos os recados mandados por Deus. Eu mesmo só fui perceber muito tempo depois.
A vida seguiu o seu curso. E a radiola do irmão Epitácio, a sua missão:
“Ele é a Luz do mundo, a Estrela da Manhã,
Dos milhares, o escolhido para mim…”
Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais
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Do trombone de Lelé à vitrola de seu Epitácio, é fascinante como as imagens desses heróis ilustram as ricas memórias do colunista. Com o perdão do clichê, recordar é viver.