FILHOS DO CORAÇÃO –

 

Mães podem gerar filhos em outro lugar do corpo.

A Adoção à Brasileira é fato social, um jeitinho comum do nosso povo. Ao invés de cumprir o procedimento legal e burocrático da adoção, o casal (ou aspirante), mesmo sem ter qualquer vínculo jurídico, simplesmente vai a cartório e registra como se tivesse gerado a criança. Nem sabe, muitas vezes, que é ato criminoso.

Adotar, do latim (adopto), segundo o dicionário Houaiss, significa: “pôr seu nome, enxertar”. Vale dizer, o adotado não deixa de ser um incrustado, inoculado, um transplantado. Então, os filhos por Adoção à Brasileira não estariam protegidos pelo preceito constitucional?

Com efeito, a Constituição de 1988 consagra o princípio da igualdade de todos perante a Lei “sem distinção de qualquer espécie” (art. 5º, caput). Será que a palavra “adotado” não distingue o menor? Não o qualifica diferentemente? De certa forma, não é uma espécie de discriminação? O que os novos pais querem é abreviar o processamento, fugir de penoso itinerário burocrático e abolir toda restrição. Será seu filho mesmo, ignorando e sendo ignorada a sua origem biológica.

A legislação punitiva atual parece ter-se espelhado nas Ordenações Filipinas (1603). Lá está sob o título de Partos Supostos: “Toda mulher que se fingir de prenhe, sem o ser e der o parto alheio por seu, seja degradada para sempre para o Brasil e perca todos os seus bens para a Coroa”.

O Código Penal, envelhecido por quase oito décadas, sobre o tema é conservador e até mesmo inaplicado por bons juízes. Comina o crime (falsos registros) com pena de dois a seis anos de reclusão. A legislação que nomina de “adotado” o filho do coração não seria inconstitucional? E por via de consequência também esse artigo do código?

A nossa realidade psicossocial não sugere obedecer à estrutura organizacional. Em razão deste e de outros fatores, padecem crianças órfãs, abandonadas, desassistidas. São milhões de meninos carentes de proteção e carinho. Paralelamente, há pessoas carentes de afeto, pais inférteis, mães que a natureza não lhes concedeu a bênção da maternidade, gente impregnada de humana bondade, com renda suficiente, que desejam ter filhos seus. A dificuldade de aplicação da lei vigente não tem permitido a junção da necessidade com o desejo.

Como satisfazer a ambas as partes? Talvez devêssemos dar maior atenção à prática de outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem agências de administração particulares, que facilitam a adoção. Estudam os requisitos sociais e econômicos dos candidatos, examinam as condições psicológicas e aproximam as mães biológicas. Estas escolhem a quem desejam confiar a sua criança. O governo também pode habilitar pretendentes à adoção com o chamado Foster Care. Os adotantes devem cumprir os requisitos de bom passado, renda necessária, para tirar da orfandade a criança desamparada. Nas duas hipóteses, o processamento é rápido e eficaz.

Nestes tempos de transição e otimização do Poder Judiciário, há um desafio à criatividade dos juristas e legisladores para que a lei atenda à necessidade da infância brasileira, cumprindo a orientação constitucional. E, sobretudo, acolha com generosidade os filhos gerados no coração.

 

Diógenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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