Vicente Serejo

Nunca imaginei que receberia aqui, com o primeiro sol da primavera, a notícia de que seria 30 de abril o último dia de vida do Jornal de Hoje, tal como gosto que os jornais vivam, com suas páginas grandes e soltas, efêmeras como as coisas da vida. Como não lembrar dos versos de Olavo Bilac, na paráfrase de uma verdade assim, numa tarde luminosa assim, de verdes que brilham assim, nos álamos e plátanos, debaixo de um céu azul saudando a alegria de viver?

Na verdade, vinha de outros caminhos mais distantes, talvez ainda encantado com o brilho  da estrela Aldebarã, quando o trem chegou a uma estação de Paris. Com ele, como se viajasse disfarçada num lugar qualquer do vagão, a notícia nem esperou que o táxi nos levasse ao hotel. Ali mesmo contou sua história, na forma de algumas notas refletidas na pequena tela do telefone de Rejane. Li, uma a uma, prisioneiro do meu próprio silêncio, sentindo o peso de uma imensa solidão.

Foi há dezoito anos. Num começo de noite, Marcos Aurélio telefonou e disse que planejava lançar um jornal vespertino,  e convidava para nele publicar a Cena Urbana que, à época, circulava nas páginas da Gazeta do Oeste, depois de ser proibida no Diário de Natal sem direito a dizer adeus. Foi por isso que na crônica de despedida do jornal do meu amigo Canindé Queiroz, usei o mesmo título de Torquato Neto na parceria com Edu Lobo – Pra Dizer Adeus. Escrevi a coluna aos prantos.

Agora,  estou num quarto de hotel, em Paris, e escrevo num computador emprestado pra não deixar de dizer adeus. Uma coluna igual a todas as outras de todos os dias. Ao contrário dos que escrevem por fruição estética, escrever, para mim, foi sempre uma bela aventura. E foi como um aventureiro enlouquecido de prazer e de dor que escrevi até hoje. Como se não fosse morrer nunca, e vivendo, cada dia, intensamente, na página treze deste JH, como se fosse morrer no dia seguinte.

Não sei, a essa altura, se um velho dinossauro, já passado em anos, as mãos envelhecidas e encardidas de tinta, ainda aprende a acreditar que é mesmo um jornal o que sai projetado na tela. Como, se não chegará mais no fim da tarde, pela fresta da porta, gritando a manchete e rasgando o silêncio frio da sala? Nunca pensei que assistiria a morte dos jornais impressos, e vejo hoje que eles começam a morrer. Na triste agonia de um silêncio que vai calando as suas máquinas para sempre.

Agora, restam sobre a pequena mesa deste quarto de hotel as últimas notícias que por esses dias saí juntando. Daqui, do outro lado do mar, vou ordenando uma a uma no mesmo desenho de sempre. Penso na eternidade dos arcos góticos da catedral de Notre Dame que ontem contemplei longamente. E lembro, num sonho suave e recorrente, a belíssima dúvida de Júlio Cortazar quando pergunta para onde vão as andorinhas quando morrem. E, no entanto, é primavera em Paris…

Vicente SerejoJornalista e Escritor

Ponto de Vista

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