DUAS VISÕES SOBRE A PESTE – Daladier Pessoa Cunha Lima

DUAS VISÕES SOBRE A PESTE – 

“A Peste”, de Albert Camus, livro publicado em 1947, ou seja, dois aos após o término da Segunda Guerra Mundial, é a obra que mais instiga uma leitura, releitura ou apenas citações, na vigência da Covid-19, a terrível doença que assusta o mundo, nos dias atuais. O romance do argelino Camus se reporta a uma epidemia causada não por um vírus, como o Covid-19, mas por uma bactéria, a Yersinia pestis, identificada somente em 1894, pelo pesquisador Alexandre Yersin, e causadora da Peste Negra. A pulga do rato, é o vetor que transmite a bactéria do roedor para o ser humano. Ocorreram vários eventos mundiais da Peste Negra, mas o pior, o mais cruel, data de meados do século XIV, como um saldo de cerca de 100 milhões de mortes, para uma população global de 450 milhões. Emblemática eram as vestes dos médicos que viveram as pestes do século XVII, o corpo coberto por roupas longas, chapéu e uma máscara com um bico feito cone, para conter perfume, a fim de compensar o odor fétido causado pelos cadáveres em decomposição.

A atual procura pelo livro “A Peste” aumentou em vários países, inclusive o Brasil; Esta é a única obra que li de Camus, e os estudiosos do autor, Prêmio Nobel da Literatura em 1957, apontam outras melhores: “O Estrangeiro” e “O Mito de Sísifo”. Diz-se que, em 1947, após o lançamento desse livro, Albert Camus, em face da explosiva venda, escreveu ao seu editor a irônica mensagem: “A Peste chegou a 96 mil exemplares. Fez mais vítimas do que eu podia imaginas”. Nota-se na obra uma clara alegoria da ocupação nazista na França, durante a Segunda Guerra Mundial, quando Camus integrou um grupo da “resistência francesa”. Existem outros livros famosos que têm uma epidemia como tema central, porém, conforme o crítico Manoel da Costa Pinto, em texto publicado na Filha, nenhum iguala essa obra de Camus em termos de força literária e de significados humanos. Costa Pinto, no entanto, faz a seguinte ressalva: “O único livro a rivalizar com a obra ‘A Peste’ numa abordagem frontal de epidemia é ‘Um Diário do Ano da Peste’, de Daniel Defoe, híbrido de romance e reportagem sobre o flagelo sofrido por Londres em 19665”.

A versão da metáfora do livro “A Peste” em relação à ocupação nazista da França é enforque bastante óbvio e aceito pela crítica mundial. Mas não pararam por aí as ilações e as conclusões a que chegam os críticos quando se debruçam sobre a obra. Em dias recentes, li o ensaio que o brilhante escritor suíço Alain de Botton escreveu para o The New York Times, transcrito pela Folha, sob o título “Para Camus, ninguém é imune e a doença está dentro de todos”. Tenho e já li alguns livros desse autor, basta citar “Arquitetura da Felicidade” e “Aeroporto”, entre outros. Alain Botton comenta que Camus não escreveu somente a ficção de uma peste em particular, no caso sobre o flagelo de Orã, cidade da Argélia, e que vitimou grande parte da população do lugar. Tampouco sua criação se limitou a uma metáfora sobre a ocupação nazista da França. Para o escritor suíço, Camus vai além disso, e fala do absurdo da vida e do seu cortejo, mas não é ao todo cético, pois preta o amor ao próximo e o viver com decência. No final, Camus se refere ao Dr. Rieux, personagem central do livro, e à conclusão que o médico aprendeu no meio do flagelo “Há nos homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar”.

 

 

Daladier Pessoa Cunha Lima – Reitor da UNI/RN

 

As opiniões emitidas são de responsabilidade dos colaboradores
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