DEVANEIA, QUE AINDA É DE GRAÇA – Marcelo Alves Dias de Souza

DEVANEIA, QUE AINDA É DE GRAÇA

Vou confessar uma coisa: adoro seriados de TV. A explicação para isso, acho, está, para além da temática e da qualidade, na duração de cada episódio. Girando em torno de quarenta e cinco minutos, bem mais curto que o normal dos filmes, é o suficiente para eu gostar da estória sem me cansar. E cada episódio é um mundo em miniatura para eu viver – ou, melhor, devanear -, com começo, meio e fim.

De um tempo para cá, virei aficionado de dois deles: “Two and a Half Man” e “Law & Order”. Eles não podiam ser mais diferentes. Mas, estou certo, a depender da personagem que incorporasse, em qualquer dos dois “mundos”, eu viveria muito bem, obrigado.

E deu-me na telha falar sobre isso agora por uma razão. Comédia produzida pela americana CBS (que, entre nós, tem sido transmitida pelo Canal Warner), “Two and a Half Man” tem despertado ansiedade de fãs como este que vos escreve. Para quem não sabe, o enredo de “Two and a Half Man” gira em torno das peripécias de Charlie Harper (personagem de Charlie Sheen, que, dizem, interpreta a si mesmo), de suas bebedeiras e de suas conquistas. Solteiro às voltas com a crise da meia idade, sortudo “compositor” de jingles que vive em bela casa na praia de Malibu, Charlie tem um incrível talento para conquistar mulheres. Apesar de nem todas serem apenas suspeitas; algumas são “confirmadas”, como queria o nosso Gilberto Amado (1887-1969).

No seriado, de diálogos geniais, o contraponto é feito pelo irmão Alan Harper (brilhantemente interpretado por Jon Cryer), estereótipo do fracassado que, após um divórcio, vive de favor na casa do irmão. Sempre curto de dinheiro, pagando pensão, Alan encara o tipo “homem de bem”, mas para quem, por mais que aja corretamente, tudo no final dá errado, sobretudo com as mulheres. O trio é completado pelo filho de Alan, Jake (interpretado por Angus T. Jones, quando no início da série um garotinho, hoje um adolescente), que dá um tom mais familiar à casa. Isso sem falar em outras personagens, todas comicamente construídas, como a mãe “megera” dos irmãos Harper e a ex-esposa mandona de Alan.

O fato é que, se Charlie Sheen, como dizem, interpreta a si mesmo (suas prisões, bebedeiras e outras coisitas ainda menos recomendáveis), ele vem passando muito bem. Sobretudo porque, em razão do sucesso da série no mundo inteiro, a CBS, para esta temporada, estará pagando ao ator 1,25 milhão de dólares, por cada episódio (sem falar nos salários de Jon Cryer e Angus T. Jones, 550 mil e 250 mil dólares, por episódio). Tanto dinheiro para fingir ser ele mesmo. E, no final, independentemente da moralidade, tudo dá certo.

Já “Law & Order” é uma série de feição mais “séria”. Classificada como drama, com selo de criação de Dick Wolf e transmitida em princípio pela NBC (no Brasil pelo Canal Universal), ela apresenta as histórias/estórias da Polícia e da Promotoria de Justiça (que, na Justiça criminal, como se diz no início de cada episódio, representariam o povo) na solução de complexos casos policiais/judiciais. Invariavelmente, a primeira parte do episódio é dedicada ao tratamento policial do crime. Em um segundo momento, foca o trabalho dos promotores (interagindo com os policiais, advogados e juízes), com seus dilemas e suas “lutas”, geralmente bem sucedidas (mas nem sempre), para realizar aquilo que entendem por Justiça criminal.

Iniciada em 1990 e batendo recordes de longevidade, de tão lucrativa (fala-se em cerca de 1 bilhão de dólares de receita ao ano), a franquia “Law & Order”, à semelhança de outras marcas (como CSI), já gerou vários seriados derivados nos EUA (“Law & Order: Special Victims Unit” e “Law & Order: Criminal Intent”) e em outros países. Reino Unido, Rússia e França (com “Paris Enquêtes Criminelles”) são exemplos, assim como o Brasil, com “Na Forma da Lei”, produzido pela Rede Globo. Com as belas Luana Piovani e Ana Paula Arosio nos papéis principais, a variante brasileira não deu certo (talvez pela beleza das citadas, que não combina com crime) e findou-se com apenas oito episódios.

Dentre os seriados derivados, um tem-me prendido nos últimos tempos: “Law & Order: UK”. Como o próprio nome indica, é a versão adaptada, desde 2009, para o Reino Unido. Apesar das inconsistências com a realidade (bom, é mais estória que história), ela tem-me feito aprender um pouco sobre o mundo judiciário daquele país. Isso sem falar na fotografia da série, que mostra alguns dos mais belos prédios de Londres (da Legal London, como as Royal Courts of Justice, Inns of Courts e a Old Bailey), prédios que, toda vez que passo ao largo, devaneio em frequentar.

Como disse, seriados são mundos em miniatura para devanearmos. E, devaneando, será que eu poderia misturar esses dois mundos tão diversos? Será que eu (ou você) não poderia ser, ao mesmo tempo, pelo menos por um instante, Charlie Harper (para quem, na vida privada, não obstante a sua amoralidade, no final tudo dá certo) e o Promotor de “Law & Order” (sempre pondo fim aos seus muitos casos com um senso de Justiça todo especial)?
Devaneie também, leitor, que ainda é de graça.

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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