Violante Pimentel
Benedito da Silva era um homem de trinta anos e, desde quinze anos, era sacristão de uma Igreja, em uma cidade do interior nordestino. Desde menino, ajudava ao Padre João, e ganhava alguns trocados, que entregava à mãe, viúva, para ajudar na alimentação dos seus sete irmãos. Começou a vida varrendo a Igreja, e, aos poucos, foi conquistando a confiança do Padre João, que o transformou em sacristão, um cargo laico. Como sacristão, era tocador de sino, porteiro, arrumador da igreja, ornamentador do altar, enfim, era “pau-pra-toda-obra.” Não conhecia outro ofício, senão o de sacristão.
Numa das voltas que o destino dá, na roda viva do cotidiano, o Padre João adoeceu gravemente e foi a óbito. O mundo desabou na cabeça do sacristão Benedito.
Logo depois da morte do Padre João, foi designado um novo vigário para substituí-lo. Bem mais jovem e cheio de dinamismo, o recém-ordenado padre tratou logo de se inteirar do movimento da paróquia, pretendendo implantar algumas mudanças. De imediato, convocou o sacristão Benedito para uma reunião. Benedito, então, recebeu algumas ordens do novo vigário, e a primeira delas foi a de anotar os horários das Missas, e escrever uma relação do material de limpeza e de expediente, que a Paróquia estivesse precisando. O sacristão Benedito empalideceu e ficou constrangido, ao ter que confessar que não sabia ler nem escrever. E falou:
– Seu Padre, vou dizer logo pro senhor que eu não sei ler nem escrever. Meu serviço é tocar o sino da Igreja, as vezes que precisar; abrir e fechar as portas, e atender à Portaria. Se for preciso, posso fazer, também, qualquer serviço pesado.
Diante dessa revelação, o desapontamento do novo padre foi visível. Ele não aceitou a condição de analfabeto de Benedito e logo o despediu. Pagou-lhe, então, uma boa importância em dinheiro, para lhe garantir a subsistência, até que encontrasse um novo trabalho.
O impacto que Benedito sofreu, ao ser despedido, foi de dar dó e piedade. O ex-sacristão saiu da Igreja desolado e sentou-se numa calçada, sem qualquer perspectiva do futuro. Sua cabeça era um turbilhão de pensamentos. Para ele, sua vida havia acabado. Seus olhos eram um mar de lágrimas, e o peito apertado sufocava o sofrimento por que estava passando. Sua fé em Deus era o seu escudo. E era a Ele que pedia uma luz para iluminar seu caminho. Também invocava a memória do saudoso Padre João, pedindo-lhe que o ajudasse. Mergulhou num estado letárgico, fechou os olhos, e chegou até a dormir.
Era o dia da feira do município. Depois de permanecer algumas horas prostrado na calçada, Benedito despertou e, muito devagar, resolveu caminhar pela feira. Logo se deparou com uma banca que vendia fumo de rolo, parou e ficou observando. De repente, teve a ideia de, com algumas moedas, comprar um pedaço desse fumo, uma folha de papel de embrulho, uma faca e uma cestinha de palha. Fez a compra, voltou para a calçada, sentou-se, e, como se estivesse sendo empurrado por uma força superior, começou a cortar pedacinhos de fumo e enrolar em pedaços de papel, dando-lhes a forma de cigarro. Automaticamente, colocou os cigarros na cestinha, e saiu oferecendo aos feirantes, em troca de algumas moedas. Como por milagre, conseguiu vender todos os “cigarros”.
Gratificado com os trocados que apurou, comprou mais papel e mais fumo de rolo, na feira, e fez novos cigarros. Conseguiu vender todos, e isso lhe deu ânimo. Essa atividade se repetiu, dia após dia, na vida de Benedito, que não tinha habilidade para procurar um novo trabalho. E logo o ex-sacristão fez dessa simples atividade o seu meio de vida. A venda dos cigarros foi lhe dando o retorno do que gastava com a compra de papel e fumo.
Passaram-se vários meses, e Benedito continuava vendendo seus cigarros artesanais. A atividade foi se tornando lucrativa, e, aos poucos, ele foi ficando conhecido como vendedor de cigarros. Ainda guardava, quase intacto, o dinheiro da indenização que recebera do novo vigário da igreja, onde, durante tanto tempo, foi o sacristão. Criou coragem e, com uma parte desse dinheiro, resolveu se instalar num minúsculo ponto comercial, continuando, entretanto, com a mesma atividade. Com o passar dos anos, a “fabriqueta” de cigarros artesanais de Benedito cresceu, transformando-se em uma sólida fabrica de cigarros. Aos poucos, Benedito ascendeu financeiramente, tornando-se um homem rico, mas sempre com a alma humilde. Nunca se deixou corromper pela ganância.
O progresso chegou à cidade, dando lugar à inauguração da sua primeira agência bancária. O gerente do banco diligenciava, no sentido de angariar bons clientes. A procura pela abertura de contas era grande, e a clientela vislumbrava a possibilidade de poder contar, agora, com empréstimos, financiamentos, aplicações e segurança do seu dinheiro. Benedito continuava protelando sua ida ao banco, para abertura de uma conta. Somente depois de insistentes convites, resolveu comparecer à recém-inaugurada Agência. O gerente o recebeu com distinção, sabendo que estava diante de um dos homens mais ricos da cidade. Nessas alturas, a fábrica de cigarros “Benedito” já havia se tornado uma potência, sendo fornecedora do produto para diversas cidades do Nordeste.
O gerente do banco não escondia sua satisfação, em ter o dono da “Fábrica de Cigarros Benedito” como cliente. Entretanto, ficou surpreso ao ouvi-lo dizer que não sabia preencher a ficha cadastral, simplesmente, por ser analfabeto. Foi então que o gerente não se conteve, e disse:
– Meu Deus! Sr. Benedito da Silva, o senhor é dono de uma inteligência privilegiada! Mesmo sem saber ler, é proprietário da maior fabrica de cigarros do Nordeste!!! É o homem mais rico desta cidade e desta região!!! Fico imaginando, o que o senhor seria, se soubesse ler?!!!
Benedito, humildemente, respondeu:
-O SACRISTÃO DA IGREJA!!!

Violante PimentelProcuradora aposentada e Escritora

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