Sugestão de um amigo e leitor. Escreva alguma coisa sobre os carnavais de ontem. Atendo o pedido, pois são recordações gratas. Antes, uma confissão. Não fui um carnavalesco emérito. Faltava entusiasmo, mas freqüentei o Aero Clube e, muito depois, o America.

            Lembro-me de minhas cinco tias-avós, solteironas, muito religiosas, que diziam: o Carnaval é a festa do Cão. Daí, eu achava ótimo ver Ioiô Barros, entre os carros do corso e a calçada, na Rio Branco, cantando o seu inefável refrão: “Olha o Cão, olha o Cão, olha o Cão Jaraguá”, bebericando sua cerveja e comendo sua salsicha, muito bem contidos num urinol, que despertava com perfeição a imaginação dos circunstantes. O bloco do eu sozinho, mas sempre seguido por uma multidão, solfejando o seu famoso refrão.

            Não fui do tempo do corso da Tavares de Lyra. Mas recordo o da Rio Branco e depois o da Deodoro. Os carros, a grande maioria sem capota, jogando confetes e serpentinas de um para o outro, e sobre o povo no meio da rua, dando banhos de lança-perfume, proibidas depois por conta dos famosos porres. E por que não lembrar a DeSoto amarelo claro de Maria Boa, conversível, fazendo o corso da Rio Branco, com suas afilhadas esnobando alegria.

            Das festas nos clubes, não alcancei o Natal Clube. Mas fui habitue do Aero Clube. Tornou-se a festa de Carnaval mais concorrida da cidade. A abertura era no Sábado. Traje à rigor até meia-noite, quando tocava o Zé Pereira e o baile de Carnaval deslanchava. Paletós, coletes, gravatas, eram jogadas de lado e a folia esquentava. As damas, em maioria, já vinham com as suas fantasias. Um bonito espetáculo. O America só surgiu muito depois e o ABC ainda mais tarde.

            O bonde do Tirol parava em frente ao clube. Eu morava no final da Rua Assú, e fui, muitas vezes, de bonde. Os bondes só circulavam até meia-noite. Quando saía, no final da festa, contava os dormentes até chegar a esquina da Jundiaí. Geralmente, em companhia de alguns amigos. A bebida principal era a cerveja. Mas, para “esquentar”, tomávamos um conhaque ou um vermute. Ou vários. Whisky era coisa rara, e cara. Rum, iniciando. “Cuba Libre”, chamavam. Cuba ainda era livre. Hoje, rum e coca-cola é um nome mais apropriado.

            Contam uma estória com meu tio Pelúsio Mello. A REN (Rádio Educadora de Natal), recém inaugurada, entrevistava os foliões. Chega meu tio, com seu colega e amigo inseparável, Antonio Filgueira. Ambos já com um bom lastro. O repórter pergunta: “Dr. Pelúsio, o que está achando do Carnaval do Aero? Uma b…. muito grande”. No ar, para todos escutarem. Naqueles tempos pudicos, já imaginaram a reação?

            Não pertenci a nenhum dos clubes da rapaziada daqueles tempos, muitos meus amigos e colegas. Tive convite para participar de alguns. Não me foi possível, por várias razões. Trabalhava com meu pai e ele não dava folga. Depois, não queria que eu gastasse dinheiro com o que chamava de “besteiras”. Ficava chateado, mas nada podia fazer. Tempos em que o que os pais diziam era uma ordem a ser obedecida sem contestação. Ligeiramente diferente do hoje.

            Meu pai participou do Carnaval, durante certo tempo, com entusiasmo. Até um bloco organizou. Que fez sucesso. O Bloco da “Manteiga Garça” – sempre se preocupava com os negócios – produto que vendia naquele tempo. Também abria as portas de nossa casa para os chamados assaltos. E recebia habitualmente os Índios. Chegavam, comiam, bebiam, dançavam e iam embora. Minha mãe se chateava. Não gostava de receber os Índios. Dançando na sala, onde os móveis tinha sido afastados, muito pintados, batiam na parede e sujavam. Ela ficava uma fera, mas só reclamava depois que eles saíam. E, no ano seguinte, estavam de volta. Bons tempos, em que os assaltos eram somente desse tipo.

Dalton Mello de Andrade – Ex- Secretario de Educação do RN e Pro Reitor da UFRN

 

Ponto de Vista

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