BALANÇO DE UM DOMINGO DE CARNAVAL – José Delfino

BALANÇO DE UM DOMINGO DE CARNAVAL – 

Tenho dificuldade em escrever sobre temas que me agradam um tanto, mas que poderiam ferir a sensibilidade dos outros. Mais exatamente, por conta da maioria nunca por em prática, nem discutir abertamente acerca deles, por razões que não vão ao caso agora discutir. Apetece-me seguir a orientação de Descartes sobre a ordem e o método das coisas. Quando afirma que deveríamos dividir as dificuldades em tantas partes quantas as necessárias para as resolver. O que nos remete, de algum modo ao pensamento de Maquiavel que diz mais ou menos, que quando alguém fizer o bem, faça-o aos poucos e quando for praticar o mal, faça-o de uma só vez. Questão só de especificidade na aplicação deles, como talvez estejam começando a notar.

Pra falar de amor, eu deveria em princípio falar sobre os meus, para dar o bom exemplo. Mas acontece que o amor é uma real intimidade de cada um que aos outros, em princípio, não diria respeit. Além do mais, falar de amor seria como fazer uma viagem com regresso incerto. Falemos, pois, de coisas coletivas (daquelas ditas “a quem interessar possa”) como os retiros espirituais que acontecem durante o período carnavalesco. A prática piedosa de fiéis cristãos que largam os seus afazeres domésticos e vão aos bandos a lugares ermos, desertos, onde predomina a solidão. Lugares de descanso, sossego, mansidão, tranquilidade e remanso. O afastamento das solicitações da vida cotidiana a fim de consagrar algum tempo à meditação, à oração, à reflexão e à conversão da vida, enquanto o satanás (como eu sempre digo, com letra minúscula pra ele não se meter a besta) anda solto e impune no período do Carnaval. Onde o inferno significaria para muitos, pelo menos para os que eventualmente leram a “A divina comédia” o descrito pelo poeta nos nove círculos de sofrimento localizados na terra.

Influenciado por um amigo um tanto sunita, tentei certa vez, um retiro espiritual com guia. Engraçado, comigo não deu certo. Refém das analogias, pensei no “Decamerão” de Boccaccio, e suas histórias, segundo ele, contadas durante dez dias por sete mulheres e três homens em refúgio, na época que a peste negra causava grande mortandade. Presa do devaneio, também pensei, o papo vai ser ótimo. A lavagem cerebral inicial foi até interessante, e até certo ponto aceitável, exceto a indução da cetose e da acidemia do jejum pra “quebrar a força dos fiéis” e facilitar o andamento do processo. Como sói e acontecer nas jornadas dos Spas para perda de peso na atual e difícil tentativa de superar a estética corporal barroca, tão fora de moda nesses dias.

O “Imagine, all the people living life in peace” como dizia Lennon, cedo foi pra cucuia. Pessoas ajoelhadas como castigo, ressurgia o medieval no século XX. Pensei, nunca fui idiota ou faquir. O “enfant terrible” que tinha levado um litro de vodka escondido na mala e algumas fatias de presunto de Parma como tira gosto, reserva técnica, talvez quem sabe, a ser compartilhada à sorrelfa com algum ou outro “penitente”, começou a desconfiar. O bom senso e o estômago prevaleceram. Desisti. Tirei o time à francesa. O “foda-se” (desculpa aí a expressão) ainda bem contido e sob controle, aflorando à região do mento (não confundir com região mental que fica no éter e comanda tudo). Antecipando o que iria acontecer recusei a exposição ao ridículo (na minha ótica, claro ) e tirei o time à francesa pra nunca mais e fui pros braços de Baco, Momo e Morfeu. Por sinal, um barato.

Mas hoje em dia está tudo diferente, parece, como dizem. A metodologia talvez tenha sido modificada. Boa sorte, então. Se a tentativa está sendo feita de moto próprio, receba meu incentivo e meu ínclito respeito e consideração. Voltem mais magros, mais sábios e mais Zens, ainda. Afinal, faz bem à cuca e à saúde. Mas é que drogas em grupos, quaisquer que sejam elas, estou fora ! Prefiro ficar a maioria do tempo em casa lendo, escrevendo, vendo filmes, me ouvindo solar uma guitarra espanhola, pensando no meu próximo erro na solidão do fundo da minha rede. Intercalada da vadiagem do sexo pelo sexo, no contra fluxo da fisiologia da reprodução. Nesta altura do campeonato em que o tesão e a libido nos seus últimos e desesperados estertores da terceira idade estão. Longe de mim dar uma de eremita, no entanto. Claro, irei ao largo do Atheneu marcar a minha esporádica presença. Movimentarei esses ossos cansados e osteoporóticos, se der saco. Beberei o que der me der na telha, refrigerante, água de coco, álcool de pequena, média ou alta velocidade e, assim, assinarei também o meu devido ponto de folião tardio, que ninguém é de ferro. Um telefonema de última hora para um jantar em “petit comité” me fez de repente mudar de ideia.

José DelfinoMedico, poeta e músico
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