Anos atrás, Mariana, uma moça que fazia serviços domésticos na casa de Dona Lia, em Nova-Cruz, era muito medrosa. Cheia de pantim, tinha medo do escuro e de almas penadas.

Nessa época, na cidade não havia luz elétrica. A casa era iluminada com candeeiros e lamparinas, a querosene. Ainda não havia fogão a gás, e a comida era feita em fogões a carvão ou à lenha. O carvão também era utilizado para o engomado das roupas, com os tradicionais ferros à brasa, das marcas “Estrela” ou “Itacolomy”. Para atiçar o fogo e esquentar o ferro, eram utilizados os antigos pegadores de brasa e os abanos de palha, feitos artesanalmente.

Como o consumo de carvão era grande, dona Lia comprava o produto em saca, que era guardada em um quartinho, construído para esse fim.

Certa noite, ao apanhar uma roupa estendida no quintal, Mariana deu um grito de pavor e teve uma crise histérica, dizendo que tinha visto uma assombração. Jurou de mãos postas que vira uma senhora gorda e com um grande totó na cabeça, ao passar pelo “quarto do carvão.” No seu delírio, identificou a alma como sendo a imagem fiel de uma senhora que morara na mesma rua, e que havia falecido há alguns dias.

O escândalo foi grande. A patroa, que não acreditava em alma e dizia sempre que os mortos estavam dormindo, à espera da ressurreição, tentou conversar com a moça, mas foi em vão. Deu-lhe um copo com água e açúcar para beber e em seguida, mandou que ela rezasse o “Credo” e a “Salve Rainha” na intenção daquela alma penada, para que ela fosse para longe.

Depois que Mariana se acalmou, a patroa, segurando uma lamparina acesa, foi até o tal “quarto do carvão”, para ver se ainda encontrava ali a alma da mulher gorda, de totó na cabeça. A empregada, tremendo de medo, atendeu à ordem da patroa e a acompanhou. No quarto, havia uma enorme trouxa de roupa, pronta para ser levada para lavar no rio “Curimataú”. Em cima da trouxa, dormindo “em berço esplêndido”, estava uma enorme galinha, que tinha fugido do galinheiro e se refugiado no “quarto do carvão.”

Na penumbra, a trouxa de roupa, com a galinha fujona dormindo em cima, parecia mesmo uma mulher gorda, de totó na cabeça.

Dona Lia deu ótimas risadas, e a empregada perdeu o medo de assombração.

Violante Pimentel  –  Escritora

As opiniões emitidas são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,3730 DÓLAR TURISMO: R$ 5,5580 EURO: R$ 6,259 LIBRA: R$ 7,1290 PESO…

11 horas ago

Netflix fecha acordo para compra da Warner Bros. Discovery por US$ 72 bilhões

A Netflix anunciou na manhã desta sexta-feira (5) acordo de compra dos estúdios de TV e cinema…

12 horas ago

Suspeito de participar da morte de menina de 7 anos na Grande Natal é preso

A Polícia Civil prendeu nessa quarta-feira (3), em Natal, um dos suspeitos de partipação na morte da…

12 horas ago

Dino marca para fevereiro de 2026 julgamento do caso Marielle na 1ª Turma do STF

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta sexta-feira (5) marcar para os…

12 horas ago

Investigado por contrabando é preso ao ser flagrado pela PF com material de abuso sexual infantojuvenil

A Polícia Federal prendeu um investigado por contrabando de cigarros em flagrante após localizar material configurado…

12 horas ago

Justiça manda Airbnb ressarcir despesas médicas de cliente que ficou paraplégica após acidente em hospedagem

A Justiça do Distrito Federal determinou que o Airbnb pague, na íntegra, os custos de uma…

12 horas ago

This website uses cookies.