A GRANDE INVENÇÃO – 

Há vários anos, o americano inventou um objeto de higiene pessoal, vendendo ao povo brasileiro a ideia de que aquilo era importante e decisivo para o destino da humanidade. Um grupo oriundo dos Estados Unidos instalou, então, uma fábrica do novo produto em São Paulo, e convenceu o povo de que o cerume dos ouvidos era responsável por problemas conjugais e pela tristeza dos apreciadores de Beethoven e Bach, quando não podiam ouvir, nitidamente, suas composições.

Antes do lançamento do misterioso produto no mercado, os donos da fábrica publicaram artigos nos mais importantes jornais do País, destacando a necessidade da higiene dos ouvidos. Diziam que tirar cerume dos ouvidos todos os dias era tão importante quanto o hábito de escovar os dentes e tomar banho. Propagaram, também, que a surdez era consequência do acúmulo de cerume.

Publicaram propagandas curiosas nos jornais, em letras garrafais, que intrigavam os leitores:

”O QUE CERÁ QUE CERÁ?” “CERÁ QUE VOCÊ ESCUTA O MEU CORAÇÃO?”

Os leitores acreditavam que estavam diante de grosseiros erros de Português. Depois dessa motivação, estourou na imprensa, no rádio e na televisão a campanha, cuidadosamente preparada, cujo lema era:

“TENHA MAIS VIDA, COM MENOS CERA!”

As propagandas diziam que o mais insignificante depósito de cerume nos ouvidos seria suficiente para provocar problemas de surdez. Diziam também que o cerume impedia a propagação das ondas sonoras no canal auditivo, prejudicando o prazer de se ouvir melhor uma bela música ou uma boa conversa. Também era o responsável por muitas separações de casais, pois atrapalhava o diálogo nítido. Um não ouvia direito o que o outro dizia, surgindo, então, as brigas.

Isso tudo, segundo o americano, havia sido provado cientificamente nos Estados Unidos. A recomendação, agora, era manter os condutos auditivos completamente livres do cerume. Somente assim se poderia aproveitar as delícias da natureza e da música. A companhia americana, então, lançou, no mercado brasileiro, o seu tira-cera, hoje chamado de cotonete.

Na época, num conhecido estádio de futebol, foi lançado um campeonato de tira-cera, disputado por uma centena de homens e mulheres, que faziam em público a limpeza dos seus ouvidos. Quem melhor utilizasse o milagroso objeto, tirando mais sujeira das “oiças”, ganharia um carro popular, zerinho.

Estourou no rádio um bonito chorinho, com o nome de “O tira-cera”, gravado por um conjunto de choro que, na época, fazia sucesso.

As madames passaram a ter sempre tira-cera em suas bolsas, ficando instituído o costume de se limpar os ouvidos em público.

Alguns colunistas sociais fizeram críticas ao novo hábito, mas logo foram calados por valiosos presentes, dados pela companhia americana. As opiniões ficaram divididas.

Limpar os ouvidos em público tinha sido, até então, coisa deselegante, como outros hábitos de higiene pessoal, que devem ser praticados reservadamente.

No entanto, desde que o mundo é mundo, sempre existiu o costume de se limpar os ouvidos. Só não havia o sofisticado objeto, inventado pelo americano.

Mas as críticas cessaram completamente, após o lançamento de um livro de etiquetas, de autoria de um badalado colunista social. Ele considerava a limpeza dos ouvidos em público, com o tira-cera, uma das práticas mais elegantes do momento. O autor dizia que esse habito pertencia à nobreza britânica. Agora, caberia ao Brasil adotá-lo nos eventos sociais. Uns aceitavam e outros não. Surgiram os prosélitos, com as mãos amaciadas pelos donos da fábrica. Um famoso advogado se deixou fotografar pela reportagem social, limpando os ouvidos durante um almoço com amigos, em um fino restaurante de São Paulo. Um deputado declarou que devia sua vitória, principalmente, ao uso diário do tira-cera, pois com ouvidos limpos podia ouvir melhor as reivindicações do povo.

O tira-cera ou cotonete, que antes era de madeira, atualmente é uma haste flexível, de plástico, com algodão nas duas pontas. Convém salientar que a sua utilização nos ouvidos não é recomendada pelos médicos, pois consideram que o objeto empurra a cera para uma região mais profunda, podendo provocar dor, perda da audição, e até mesmo perfuração de tímpano. Os médicos defendem a tese de que a cera protege o aparelho auditivo.

Ao desembarcar no Brasil, Mr. Taylor, presidente da companhia americana, disse, em entrevista à imprensa, que estava vindo produzir aqui, para evitar a saída das nossas divisas. E houve quem acreditasse…

Violante PimentelEscritora

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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