O PRÊMIO –
Numa festa de padroeira de uma cidade do interior do Estado, foram vendidos bilhetes para sorteio de diversos prêmios, ofertados pela comunidade. Entre eles, o mais valioso era uma vaca viva, ofertada à Igreja por um rico fazendeiro da região. Era uma festa anual, onde, além da parte religiosa, havia também a parte profana. Num espaço público, ao lado da Igreja, rolava um grande baile popular, ao som de uma orquestra de primeira qualidade. A festa se prolongava pela madrugada, com venda de refrigerantes, diversas iguarias, e até bebidas alcoólicas. A finalidade era angariar fundos para as obras assistenciais da Igreja.
Um casal de noivos, Ivanildo e Marina, comprou dois bilhetes da rifa, na esperança de ganhar algum prêmio. Chegou a hora do sorteio e o noivo foi contemplado com a vaca. Marina ficou muito satisfeita, pois sabia que com a venda desse valioso animal, ela e Ivanildo poderiam apressar o casamento. Na mesma hora em que saiu o resultado do sorteio, apareceram várias propostas para a compra da vaca. Entretanto, Ivanildo recusou todas. Embriagado, disse que iria levar a vaca com ele, para dormir no seu quarto. Marina recusou-se a acompanhar o noivo e a vaca, revoltada com a cena ridícula a que se exporia, caso aceitasse essa imposição. O pior é que Ivanildo morava num quarto de pensão. A festa terminou e todas as pessoas voltaram para suas casas. Ivanildo, então, amarrou uma corda nos chifres da vaca e saiu puxando. Marina, indignada, voltou-se contra ele. O homem ensaiou puxar a noiva com um braço e com o outro segurar a corda, amarrada aos chifres da vaca.
Ivanildo sentia-se orgulhoso com o prêmio recebido. Achou normal, atravessar a cidade puxando a vaca pelos chifres. Esqueceu de que teria de deixar a moça em casa.
Indignada, Marina disse para o noivo:
– Não precisa mais você me deixar em casa! Voltarei sozinha. Não apareça mais na minha frente!!! Você não tem bom juízo!!!
Ivanildo respondeu, mostrando-se ofendido:
– Como queira! Pode ficar tranquila! Nunca mais aparecerei na sua frente!
A moça trocada pela vaca apertou o passo, sentindo seu coração despedaçado para sempre.
Depois de uma hora, o homem e a vaca chegaram ao quartinho onde ele residia, em uma pensão barata. O proprietário da pensão também morava ali. Muito embriagado e sem raciocinar, Ivanildo conduziu a vaca ao seu quarto, dizendo para si mesmo que amanhã tudo se resolveria. Afinal, não achava nada demais a sua vaquinha passar uma noite hospedada no seu quarto.
Procurando fazer silêncio, Ivanildo abriu a porta de entrada da casa, puxando atrás de si o melancólico animal. Falou baixinho para a vaca:
– Por aqui…Psiu! Os donos da casa estão dormindo…Não faça barulho….
Chegando ao quarto, a vaca parou, indiferente, junto à cama de Ivanildo, e começou a mastigar a ponta do seu travesseiro.
Aperreado, Ivanildo foi buscar uma bacia com água, para que ela soltasse o travesseiro.
Saiu até o quintal, trouxe uns ramos verdes e pôs na mesma bacia, para que ela comesse.
A vaca mergulhou a cabeça na bacia, passou a língua pelos galhos, e de repente, levantando a cabeça, começou a mugir ruidosamente.
Já irritado com a besteira que havia feito, Ivanildo tentou calar o animal:
– Psiu, animal ruim! Silêncio! Deixa de sacanagem, sua vaca “filha FDP”!!!
Atrás dele, a porta rangeu suavemente. Um homem envolto numa coberta, lançou um olhar ao quarto e, depois de verificar o que se passava, recuou com uma exclamação de terror. Era outro morador da pensão.
– É você, Antônio? Entre, não tenha medo… Tenho uma vaquinha em meu quarto!
Assustado, o outro morador da pensão perguntou:
– Você enlouqueceu, Ivanildo? Onde foi arranjá-la?
– Ganhei-a no sorteio da festa da padroeira da cidade! Sou sortudo!
– Mas não se pode guardar uma vaca num quarto! – falou o outro morador, descontente, olhando para o animal. – Se os proprietários souberem disso, pedirão pra você desocupar o quarto imediatamente.
– Mas é só esta noite! – ponderou Ivanildo – Pela manhã, procurarei um estábulo pra ela!
– Mu-u, Mu-u, Mu-u! – mugiu a vaca, como se aprovasse a ideia.
– Vou enrolar a minha coberta na cabeça dela, pra ela não fazer zoada….
Na mesma hora a vaca começou a mastigar a coberta.
Ivanildo puxou a coberta da boca da vaca e entrou em desespero. Falou alto, chamando palavrão com a vaca, mas ela não parava de mugir.
De repente, alguém deu uma pesada na porta do quarto, abrindo-a violentamente. Era o dono da pensão, esbravejando e dizendo palavrões. O homem, com os cabelos em desalinho e tremendo de raiva, acordara bruscamente com o mugido da vaca, chegando a pensar que fosse um pesadelo. Ouviu o falatório dos hóspedes e foi ver de perto o que estava acontecendo. Não podia acreditar que aquele hóspede estivesse fazendo o quarto de estábulo. O homem fitou a vaca dentro do quarto e, rangendo os dentes, gritou duas palavras enérgicas para Ivanildo:
– Fora daqui!!!
– Permita-me que eu lhe explique, Senhor Manoel! – seus apelos não foram ouvidos.
– Fora daqui, imediatamente!
Era noite fechada, quando Ivanildo se viu na rua com a vaca, sobre a qual colocara sua maleta, seu travesseiro e sua coberta.
Sentindo-se cansado, deitou-se no chão, junto a uma cerca, amarrando a vaca ao seu braço.
Pela manhã, foi acordado por um camponês, que lhe disse:
– Bom dia, Senhor! – O senhor prendeu seu braço na árvore! Que ideia estranha!
Ivanildo lembrou-se da vaca e a procurou ao seu redor. Com a voz trêmula, falou:
– Roubaram minha vaca!
O camponês lhe perguntou:
– Que espécie de vaca foi roubada?
– Uma vaca castanha, com manchas brancas – respondeu.
O homem, então, falou:
-Esse tipo de vaca é muito comum nesta região. Impossível encontrá-la.”
Ivanildo saiu dali desejando morrer. Em uma só noite, perdeu o teto, a noiva, a vaca, e sua paz. E a culpa foi sua!!! Restou-lhe a lição:
“Quando a cabeça não pensa, o corpo padece”.
Violante Pimentel – Escritora
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