A BOLSA, A MADAME E O MILAGRE DO ALECRIM – Flávia Arruda

A BOLSA, A MADAME E O MILAGRE DO ALECRIM – 

No coração do Alecrim, entre barracas de pastel e vendedores de chip de celular, acontecia um milagre silencioso: a ressurreição social por meio da bolsa de grife. Foi lá que Dona Marleide, manicure e aspirante a influencer de bairro, encontrou sua redenção.

— Essa aqui é réplica da Chanel, mas ninguém diz que não é original — garantiu a vendedora, com um sotaque que misturava Paris com Parnamirim.

— Réplica? Minha filha, isso aqui é identidade! — respondeu Marleide, já com a bolsa pendurada no braço e a autoestima em modo turbo.

Ao sair da loja, o mundo mudou. O sol bateu diferente. O vento respeitou. Até o mototáxi parou sozinho, como quem reconhece uma madame em ascensão.

No Midway, o desfile começou. Marleide entrou pela porta principal como quem pisa no tapete vermelho do Festival de Cannes. A bolsa balançava com autoridade. As outras mulheres olhavam. Algumas com admiração. Outras com aquele olhar de scanner social:

— É original? — cochichou uma senhora de salto e silicone financiado.

— É Paris, minha filha. Paris do Alecrim. — respondeu Marleide, sem perder o rebolado.

Na praça de alimentação, encontrou sua rival: Dona Socorrinha, que ostentava uma “Louis Vuitton” que, segundo boatos, veio direto da Shopee Premium.

— Boa tarde, Marleide. Vejo que a Chanel chegou. — disse Socorrinha, com um sorriso venenoso.

— Chegou e já causou. Diferente da sua Luíza Vintão, que parece ter vindo de Fortaleza. — rebateu Marleide, enquanto a bolsa parecia piscar para a rival.

A tensão era palpável. As bolsas se encaravam. As madames se mediam. O shopping inteiro parou. Até o segurança fingiu que estava limpando a câmera, só pra registrar o embate.

De repente, um jovem se aproximou:

— Moça, posso tirar uma foto? Minha namorada ama essas bolsas.

Marleide sorriu. A bolsa brilhou. Socorrinha murchou.

Naquele instante, Marleide entendeu: não era sobre couro, nem sobre etiqueta. Era sobre poder. Sobre ser vista. Sobre ser validada por um desconhecido que confundiu réplica com realeza.

Em casa, pendurou a bolsa em um cabide especial, com luz de LED e trilha sonora de Edith Piaf. Olhou para ela com carinho. Não era só uma bolsa. Era uma personagem. Uma entidade. Uma amiga fiel.

E assim, Dona Marleide virou Madame Marleide. A manicure virou musa. E o Alecrim virou Paris — pelo menos até o próximo boleto vencer.

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora dos livros As Esquinas da minha Existência e As Flávias que Habitam em Mim, crônicasflaviaarruda@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,2970 DÓLAR TURISMO: R$ 5,5030 EURO: R$ 6,1830 LIBRA: R$ 7,0830 PESO…

18 horas ago

Rodoanel é liberado após acidente com 5 carretas bloquear faixas na região de Embu das Artes

O Rodoanel foi liberado após um acidente envolvendo cinco carretas na manhã desta quinta-feira (4) provocar o bloqueio…

19 horas ago

CNU 2025: prova discursiva terá redação e questões; veja como funciona cada modelo

A prova discursiva da segunda edição do Concurso Nacional Unificado, aplicada neste domingo (7), é uma…

19 horas ago

PIB brasileiro fica estável e cresce 0,1% no 3º trimestre, diz IBGE

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil variou 0,1% no terceiro trimestre de 2025, informou o…

19 horas ago

‘Choques e queima de equipamentos’: Maternidade é parcialmente esvaziada em Natal por causa de problemas elétricos

Pacientes da Maternidade Escola Januário Cicco, ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte,…

19 horas ago

Lula abre reunião do Conselhão, que deve fazer balanço do grupo na COP 30 e discutir rumos da economia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu, nesta quinta-feira (4), a 6ª plenária…

19 horas ago

This website uses cookies.