Darcy Ribeiro, antropólogo, escritor e político brasileiro, foi uma pessoa polêmica e um ardoroso defensor de suas ideias. Considerável parcela dos avanços obtidos na educação do Brasil deve-se ao mineiro de Montes Claros. Junto com Anísio Teixeira ele fundou a Universidade de Brasília e, na condição de vice-governador do Rio de Janeiro, desenvolveu um modelo inovador para a Universidade Estadual do Norte Fluminense, a qual denominou de Universidade do Terceiro Milênio.

Profundo conhecedor do homem e do pensamento de nossa gente ele publicou a sua obra-prima “O Povo Brasileiro”, em 1995, dois anos antes de falecer de câncer. Entretanto, foi como educador que Darcy Ribeiro notabilizou-se no país. E nessa condição, em 1982, ele vaticinou: “Se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”.

É de arrepiar os cabelos da cabeça prognóstico tão verdadeiro quanto devastador. O retrato antevisto por Darcy, 35 anos atrás, ocorreu antes da data por ele estabelecida, mas, atingiu o apogeu neste ano de 2017. O que assistimos nos estados do Amazonas e de Roraima, nos primeiros dias do ano-novo, foram cenas inimagináveis de conceber por seres ditos civilizados, tamanho o grau de barbárie imposto à ação.

Acidente uma ova, o acontecimento macabro de Manaus foi um roteiro bem elaborado, digno de filmes de terror, assemelhado a práticas de masmorras da Idade Média. Se um massacre em si já é estarrecedor, o que dizer de decapitar e esquartejar, a golpes de facão, companheiros de desventura encarcerados nas pocilgas brasileiras apelidadas de prisão.

Como esperar algo diferente daquelas máquinas de produzir monstros? Presídio no Brasil não ressocializa ninguém, muito pelo contrário. A maneira sub-humana como vive ali o apenado serve apenas para incitá-lo contra tudo e contra todo o mundo. Pior. Cultiva-se o antagonismo contra o Estado gerando a ira, o mais terrível dentre os sentimentos.

Jamais imaginei vivenciar outra vergonhosa chacina nos moldes do massacre do Carandiru, em São Paulo, ocorrido dez anos após a profecia de Darcy Ribeiro, num presídio abarrotado de encarcerados. Com a diferenciação no grau absurdo de crueldade do último.

E mais uma vez o antropólogo intuíra: “Só vamos acabar com a violência quando resolvermos a questão da educação”. Complementado o raciocínio com outra triste constatação: “A escola brasileira é a escola da mentira: o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende”.

Uma vez estabelecido o quadro de terror em cárceres da região Norte, causando estupefação no Brasil e no mundo, eis que aparece o jovem titular da Secretaria Nacional de Juventude burilando uma moldura patética para o cenário tétrico: “…tinha de ter uma chacina por semana”. Por acaso é do conhecimento do autor dessa colocação infeliz, que 51% da população carcerária do país é de jovens como ele, com idade entre 19 e 27 anos?

Diante de índices alarmantes de extermínio de nossos semelhantes, fica a impressão de havermos perdido a capacidade de indignação e abandonado o senso de piedade. Neste instante de incertezas, bem que poderíamos tomar como exemplo outra declaração de Darcy Ribeiro para não embarcarmos nessa onda de banalização da violência: “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.

Dá consternação admitir, mas o governo brasileiro, por descaso ou conveniência, se resignou ante o caos do sistema prisional do país. Caso contrário o apelo de Darcy Ribeiro já teria encontrado eco.

José Narcelio Marques Sousa é engenheiro civil.

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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