SOLIDÃO – BÊNÇÃO OU MALDIÇÃO? – Josoniel Fonsêca

SOLIDÃO – BÊNÇÃO OU MALDIÇÃO?

Quantas vezes se rebelaram contra ele no deserto, e na solidão o provocaram”.

(Salmo 78:40)

A solidão pode assumir dois sentidos na nossa experiência: o sentido negativo, constituindo-se em maldição e o sentido positivo, constituindo-se em bênção. Examinemos essas duas vertentes dessa humana experiência.

I – SOLIDÃO COMO MALDIÇÃO

  1. a) Solidão da Misantropia – o homem fecha-se interiormente. Vive na visão ilusória e periférica do Ego. Mergulha na dimensão do pessimismo, como na experiência do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, quando escreveu: “Entre os males da sociedade e a tristeza da solidão, o homem sensato escolherá a solidão, por ser o menor dos males. Na solidão, quando cada um fica reduzido aos seus próprios recursos, é que revelamos o que possuímos realmente; nela, o imbecil, sob a púrpura, suspira atordoado pelo fardo eterno de sua mísera individualidade”.
  2. b) Solidão do Desespero – É quando a dor ataca o homem sem Deus e o deixa desesperado e desesperançado. É a solidão entendida como o egoísmo supremo da dor.
  3. c) Solidão da Revolta – É a solidão vivida e experimentada pelo povo de Israel em sua peregrinação no deserto, em demanda à Terra Prometida. Tentaram a Deus e o provocaram na solidão, como diz o salmista. Essa a solidão é típica do afastamento de Deus, pois quando o sofrimento chega e a solidão ataca, o homem sem Deus se revolta. Não foi à toa que o filósofo David Hume assim se expressou: “Estou aterrorizado e confuso com a solidão em que me colocou a minha filosofia. Em torno de mim vejo por toda parte disputas, contradições e distúrbios. Olhando para dentro de mim, só vejo dúvidas e ignorância. Onde estou? Qual é a origem da minha existência? A que situação voltarei? Confundem-me e revoltam-me todas essas perguntas, e começo a achar-me no mais deplorável dos estados e rodeado, por toda parte, das mais densas trevas”.

II – SOLIDÃO COMO BÊNÇÃO

É solidão que aproxima o homem de Deus. Muito dificilmente os jovens aceitam ou gostam da solidão. Não sentiram ainda sua necessidade e utilidade, pois é somente quando a vida já vai alta e amadurece ao calor das lutas e dos sofrimentos que o homem necessita da solidão, para ouvir suas vozes, ricas de mensagens e rica da substancialidade das coisas espirituais.

Solidão é ética substancial em contraste com a estética vazia e inútil do barulho. É na solidão com Deus onde os valores éticos prevalecem sobre os valores estéticos; onde à exaltação e deslumbramento das formas transitórias sucede o equilíbrio das aspirações substantivas. É, geralmente, no crepúsculo das forças, que invade a alma uma ânsia fecunda de isolamento criador. É aí que um sentimento de tempo perdido obriga a um inesperado encanto pelas horas de solidão, dentro das quais o homem se encontra e se refaz. A solidão como bênção não é vazia, muda, mas um instante pleno de vozes, de sugestões e influências criadoras. É quando o homem assiste germinar e crescer as sementes ocultas e ignoradas que o tempo plantou em seu espírito. É o momento da plenitude interior, da riqueza revelada. É aí que o homem se descobre e entra em comunhão total com a vida e apreende o sentido misterioso do mundo e sua finalidade.

O filósofo Humberto Rhoden escreveu; “Gênio e místicos são silenciosos. E Deus é o Silêncio Infinito. Quanto mais alguém é de Deus tanto mais é do silêncio e da solidão. Silêncio e solidão são a mais intensa presença da Realidade; ruído e sociedade são, quase sempre, ausência de Realidade. O mundo está repleto de cadáveres falantes, alto-falantes, ruidosas vacuidades, deslumbrantes bolhas de sabão cheias de vacuidade. O silêncio é a sala de audiência com Deus, pois o silêncio e a solidão é a linguagem de Deus aos homens espirituais — o barulho é dos egos profanos. Por isso, quando o homem fala, Deus se cala. Quando o homem se cala, Deus fala”.

Que nos sirva de exemplo a experiência dos servos de Deus na História Sagrada, pois foi na solidão do monte, durante quarenta dias e quarenta noites, que Moisés aguardou a entrega dos mandamentos da Lei; foi no silêncio do monte Carmelo onde Elias recebeu força e orientação para vencer os profetas de Baal; foi na solidão do deserto, que o Senhor Jesus Cristo preparou-se para o cumprimento da sua missão. E quanto a ele, é interessante notar que para cada ano de ministério, houve dez anos de silêncio.

Enfim, foi na solidão das estepes da Arábia, onde o apóstolo Paulo foi transportado ao terceiro céu, ouvindo palavras que não é lícito ao homem referir. Que outra coisa fizeram eles, senão fechar os canais de fora para que as fontes de dentro rompessem?

A flor olorosa da espiritualidade só desabrocha nos longos e fecundos silêncios, onde o homem pode ouvir a voz de Deus a lhe falar.

 

Josoniel Fonseca – Advogado e Professor, josonielfonseca@uol.com.br

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,3730 DÓLAR TURISMO: R$ 5,5580 EURO: R$ 6,259 LIBRA: R$ 7,1290 PESO…

17 horas ago

Netflix fecha acordo para compra da Warner Bros. Discovery por US$ 72 bilhões

A Netflix anunciou na manhã desta sexta-feira (5) acordo de compra dos estúdios de TV e cinema…

18 horas ago

Suspeito de participar da morte de menina de 7 anos na Grande Natal é preso

A Polícia Civil prendeu nessa quarta-feira (3), em Natal, um dos suspeitos de partipação na morte da…

18 horas ago

Dino marca para fevereiro de 2026 julgamento do caso Marielle na 1ª Turma do STF

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta sexta-feira (5) marcar para os…

18 horas ago

Investigado por contrabando é preso ao ser flagrado pela PF com material de abuso sexual infantojuvenil

A Polícia Federal prendeu um investigado por contrabando de cigarros em flagrante após localizar material configurado…

18 horas ago

Justiça manda Airbnb ressarcir despesas médicas de cliente que ficou paraplégica após acidente em hospedagem

A Justiça do Distrito Federal determinou que o Airbnb pague, na íntegra, os custos de uma…

18 horas ago

This website uses cookies.