SÍNDROME DA AGENDA VAZIA – Flávia Arruda

SÍNDROME DA AGENDA VAZIA –

De repente se fez silêncio nos quatro cantos do planeta. De modo súbito e inesperado, não havia mais um ser vivente entre as esquinas, agora desertas, das cidades, bairros, vilarejos… tudo estava vazio e frio, inabitado. O vírus quis nos calar, destruir-nos, aniquilar com nossas vidas. Um tempo estranho se fez chegar.

Tempo de crise, como esse que estamos vivendo, é momento em que paramos a frenética da vida para repensar valores, ideais e sonhos. Tempo necessário para pôr os pensamentos em ordem e traçar novas metas e planos, traçar novas estratégias, para dar conta desse momento histórico, brusco e sombrio.

Nessa ordem de planejar, fazer, checar e agir (O famoso PDCA), assim, começamos a (re)agir, e, aos poucos, estamos tentando retomar nossas atividades laborais presencialmente, isso, na repartição pública que exerço minhas funções profissionais. De certa forma, ainda sem saber se o apocalipse deu alguma trégua, se nos conceder á licença para respirar novos ares, se deixará que enchamosos pulmões de esperança e se poderemos reconstruir as ruínas de todo esse caos que se instalou no mundo.

Não obstante aquilo que desejamos, as perguntas que ecoam, nos quatro cantos da minha mente, são: O fim do mundo já passou? Será que conseguimos passar pelo fim dos tempos e pular para um novo tempo? Será que já podemos recomeçar? (Levantar, sacodir a poeira e dá a volta por cima?). Bom, mesmo diante de tantas incertezas, o fato é que a vida continua, de certo que nem todos tiveram a mesma sorte, é verdade. Mas, quem disse que iremos sair vivos dessa vida? Dor, sofrimento e morte, são inevitáveis, porém necessários para preencher os ciclos da vida, para a re/evolução humana.

Hoje eu vim trabalhar, queria sair um pouco de casa, ver a vida materializada, ando sentindo falta da vida concreta. Já sentada na minha mesa de trabalho, abro uma das gavetas em busca das canetas, marcadores de textos… no canto direto, bem ao fundo da gaveta, lá estava ela, a agenda de 2020, aquela que ganhei em janeiro, tão necessária para abrigar às demandas e compromissos profissionais durante o ano em curso.

Ao vê-la, fui tomada por um sentimento de vazio, Não me contive e a resgatei lá do fundo, a pus em cima da mesa e comecei a folheá-la, havia um vácuo enorme, desde a última vez que ali eu escrevera. As folhas estavam em branco desde meados de março. Pensei n’as águas de março fechando o verão, e sobre a promessa de vida no teu (nosso) coração. Por onde vagueava essa promessa de vida diante de tantas mortes, diante dessa pandemia instalada na terra?

De lá para cá, nada foi anotado, não havia reuniões agendadas, nenhum relatório pendente, nenhuma data com atuação para prestar contas, prestes a vencer, nenhuma ação em desenvolvimento naquela agenda de 2020. Continuei folheando, imaginando o que teria acontecido naqueles dias, em cada mês, não fosse o coronavírus. Quantas decisões teriam sido tomadas, quantas viagens foram adiadas, quantos recursos e ações deixaram de ser planejados… apesar de presumir, nunca saberemos ao certo.

O fato é que o curso da história foi alterado, as rotinas foram alteradas, nossas vidas foram alteradas, nossos sonhos foram adiados, quando não encerrados. Tudo ficou de cabeça para baixo, vimos a bolsa despencar, economia capengar e vidas se findarem. Êta vida boa de melhorar! Eo novo normal? Confesso que nunca consegui entender muito bem essa recente referência aos dias que estão por vir, que ainda nem sabemos como se darão.

O novo normal, hoje, para mim, é uma agenda vazia, revestida de capa dura, com folhas em branco, à espera da poesia vivida.

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, , autora do livro “As esquinas da minha existência”, flaviarruda71@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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